Por Caroline Oliveira — Brasil de fato
O índice de quilombolas que vivem em situação de precariedade ou ausência de saneamento básico é de 78,93%. Isso representa 357.068 domicílios particulares permanentes, onde vivem 1.047.779 moradores quilombolas. Na população brasileira no geral, o percentual cai para 27,28% nessa mesma modalidade de lares. O número é 51,65% menor quando em comparação com os moradores quilombolas.
O dado é do Censo Demográfico 2022 Quilombolas, que traz características dos domicílios segundo recortes territoriais específicos, divulgado nesta sexta-feira (19).
Nos territórios quilombolas legalmente demarcados, a taxa é ainda maior: 90,02% dos moradores vivem em situações classificadas pelo Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab).
Como parâmetro de situação inadequada, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) utilizou os indicadores do Plansab: potabilidade da água que chega aos domicílios, ocorrência de intermitências e racionamentos, existência de tratamento de esgotos, qualidade sanitária das fossas sépticas e destinação ambientalmente adequada para os resíduos.
A responsável pelo Projeto de Povos e Comunidades Tradicionais do IBGE, Marta de Oliveira Antunes, afirmou em coletiva de imprensa na quarta-feira (17), que “as inadequações do saneamento básico, além de atingirem mais intensamente a população quilombola, surge com mais precariedade dentro dos territórios oficialmente limitados”.
“Mesmo em regiões do país com acesso mais estruturado a saneamento básico, nos territórios, isso vai se agravando gradualmente. Tem que entender melhor como esse público pode ter acesso a infraestruturas mais adequadas.”, completa. A representante do IBGE ainda afirma que “são várias potencialidades e possibilidades que podem explicar as diferenças de investimentos nesses territórios em relação aos outros territórios dos municípios. Tem uma atenção diferenciada em relação a essas populações ao longo das últimas décadas”.
Acesso à água
O relatório mostra também que 34,37% dos domicílios particulares permanentes com pelo menos um morador quilombola dependem de recursos hídricos locais como principal forma de abastecimento de água. Entre esses meios estão poços artesianos, nascentes, córregos, açudes e rios.
Nos domicílios localizados em territórios demarcados, a quantidade sobe para 56,61%. No conjunto da população brasileira, apenas 14,06% dos domicílios dependem desses recursos como forma principal de abastecimento de água.
Em relação à destinação do esgoto, 27,59% dos domicílios com pelo menos um morador quilombola utilizam fossa rudimentar, buraco, vala, rio, córrego, mar ou outra forma, ou não possuem esgotamento. Nos territórios demarcados, o índice novamente sobe, desta vez para 43,66%.
O levantamento também aponta que, entre os 1.698 municípios com domicílios particulares permanentes com pelo menos uma pessoa quilombola, 286 (16,84%) não possuem acesso à rede geral de distribuição de água. Os estados que estão à frente nesse ranking são Minas Gerais (87), Bahia (25) e Paraíba (20).
Fernando Damasco, da Coordenação de Estruturas Territoriais da Diretoria de Geociências do IBGE, afirma que os dados são “muito esperados pelas comunidades. É um dado que eles sempre colocaram como prioritário. Então, nós tentamos ser cuidadosos ao máximo como essas comunidades se organizam. Isso está refletido no trabalho e acredito que podemos inaugurar um conjunto de estudos, reflexões e análises sobre essa organização espacial que diz muito sobre a diversidade do nosso país”.
Ausência de banheiro de uso exclusivo
Entre os domicílios com pelo menos uma pessoa quilombola nos territórios demarcados, 23,21% não têm banheiro de uso exclusivo (cômodo com vaso sanitário e instalações para banho que é utilizado apenas pelos moradores do domicílio, de acordo com o IBGE), o que corresponde a 41.493 pessoas quilombolas e a 24,77% dos moradores quilombolas em domicílios particulares permanentes.
Dos 10 municípios com as maiores quantidades de quilombolas que vivem em casas sem banheiro de uso exclusivo, nove estão no Maranhão.
Damasco afirma que, embora formalmente identificados, os territórios “convivem com grandes dificuldades de infraestrutura. Uma coisa é o fato de que essas áreas têm maior concentração de população quilombola, uma organização sociopolítica mais avançada, a ponto de conseguir levar a demanda até o estado e acompanhar essa demanda de formalização, mas que não veio acompanhada de investimentos na infraestrutura”.
“Os dados refletem que essas áreas, tanto do ponto de vista do acesso a serviços fundamentais são locais menos privilegiados, menos contemplados pelas políticas básicas. Então isso é uma realidade que o censo demonstrou pela primeira vez”, pontua.
“O grande ganho com o dado censitário é que a gente consegue dizer onde essas precariedades estão localizadas, quantos domicílios são ou não atendidos. A gente consegue sinalizar como de fato essas políticas podem atingir a realidade que efetivamente enfrenta essas dificuldades. São ferramentas para a gestão pública e de transformação dessas realidades”, conclui.
Alfabetização dos quilombolas
O Censo 2022 ainda trouxe mais dados sobre alfabetização entre os quilombolas. Daqueles com 15 anos ou mais que vivem em territórios demarcados 18,99% (192.715 pessoas) eram analfabetas. O índice é 2,7 vezes superior à taxa registrada na população residente no país.
Entre as mulheres, há mais analfabetismo do que em relação aos homens: 82,89% diante de 79,11%. A diferença de 3,78 pontos percentuais é maior do que a observada entre homens e mulheres na população em geral, que é de apenas 0,99%.
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