Os episódios de censura ao romance “O avesso da pele”, do escritor Jeferson Tenório, tiveram um efeito que a extrema-direita não previu. As vendas do livro dispararam. Dados da Amazon revelam crescimento de 1400% comparando a primeira semana de março deste ano com o mesmo período de 2023.
Três estados — Paraná, Goiás e Mato Grosso do Sul — anunciaram a retirada dos exemplares de escolas e bibliotecas nos últimos dias. Tudo começou com um post no Instagram da diretora de um colégio de cidade pequena do Rio Grande do Sul, em que ela diz considerar a obra imprópria para adolescentes.
A resposta foi imediata e “O avesso da pele” tornou-se a obra de ficção mais vendida pela Amazon no país. De acordo com informações disponibilizadas no site da loja online, “O avesso da pele” é o 2º livro mais vendido do país hoje considerando todos os gêneros. Somente “Café com Deus pai”, do pastor e youtuber evangélico Júnior Rostirola, vendeu mais neste início de março.
Vencedor em 2021 do Jabuti, prêmio literário mais importante do país, o livro de Tenório é uma obra contundente sobre racismo, a brutalidade da polícia brasileira contra pessoas negras, pertencimento e identidade. Os que tentam censurá-la dizem considerar absurdos alguns “palavrões” e “atos sexuais”.
No caso do Mato Grosso do Sul, o estado anunciou o recolhimento imediato do livro por ordem do governador Eduardo Riedel (PSDB). Motivo alegado: “expressões consideradas impróprias” para menores de 18 anos.
Governador nega censura a livro
Em Goiás, os livros foram engavetados até que uma suposta “análise” seja feita para saber se a obra poderá ou não ser distribuída às escolas do estado. A mesma justificativa foi utilizada pelo governo paranaense.
O governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD), negou que o estado esteja censurando a obra e disse que ela será analisada:
“A discussão é só sobre uma ou outra página que tem um conteúdo um pouco mais erótico”, disse à coluna Painel, da Folha de São Paulo.
“O Conselho [de Educação] do Estado vai analisar se é apropriado para crianças de 12, 13, 14 anos. Não existe censura. Pelo contrário, queremos que todos os livros possam ser utilizados, desde que esteja adequado à idade.”
Em seu Instagram, Tenório tem compartilhado os apoios que recebe nesse momento, como do rapper Emicida: “Eu tô 200% com Jeferson Tenório. Puta livro foda. Se vocês ainda não leram, deveriam”.
Ontem, no dia de seu aniversário de 47 anos, Tenório postou a foto de uma camisa que ganhou de presente com a capa do livro desenhada e a mensagem “diga não ao racismo, diga não à censura”.
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Autor já sofreu ameaças
Não é a primeira vez que o célebre romance de Jeferson Tenório, e também o próprio autor, sofrem uma onda de ataques. Com direitos vendidos para Inglaterra, França, Portugal, Itália, Suécia, Eslováquia, China, México, Canadá, Estados Unidos e outros países, o livro chegou a ser proibido em 2022 em uma escola particular na cidade de Salvador, na Bahia.
Tenório recebeu ameaças de morte na época. Disse ele em entrevista ao jornal O Globo:
“Nas ameaças anônimas diziam que se eu fosse na escola eu teria ‘meu CPF cancelado’ ou que ‘teria de fugir do País’ para não ser metralhado”, conta o escritor. “Decidi tornar estas ameaças públicas para me proteger e também para que estas pessoas saibam que elas não podem cometer esses crimes e acharem que tudo ficará por isso mesmo. Não ficará.”
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