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Meio Ambiente

Comprar comida ficou mais caro no Brasil em 2024, e o clima tem tudo a ver com isso

Relembre mês a mês como os efeitos climáticos afetaram o seu bolso na hora de comprar alimentos
23/12/2024 | 05h00

Por Rafael Oliveira — Agência Pública

Ir ao mercado ou à feira neste ano no Brasil foi uma tarefa que dificilmente não causou indignação. Dos 168 subitens ligados à alimentação monitorados pelo IBGE, 119 ficaram mais caros ao longo do ano. Abacate, frutas cítricas e o café moído, além do famigerado azeite de oliva, puxam a lista de alimentos com maior aumento nos preços. Comprar comida ficou muito mais caro neste ano, e os extremos climáticos que o país e o mundo viveram no último biênio ajudam a explicar o porquê dessa subida nos preços.

“A ocorrência desses eventos climáticos mais intensos, sem dúvidas, pode afetar a produção de diversos alimentos. Pode acabar ocasionando quebra de safras, receio quanto às safras futuras, [afetar a] qualidade do solo, e isso pode acabar se refletindo nos preços ao consumidor final, principalmente os alimentos”, explica André Almeida, gerente do Sistema Nacional de Índices de Preços ao Consumidor, do IBGE.

De acordo com os dados do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação acumulada em 2024 na categoria “alimentação e bebidas” foi de 6,44% – bem acima do índice geral, que está em 4,29%. No ano passado, a inflação de alimentos e bebidas em foi de cerca de 1%, enquanto a inflação geral foi de 4,62%.

Dois alimentos que ganharam manchetes por terem ficado mais caros em 2024 ajudam a entender a influência do clima no bolso do consumidor.

O café moído registrou aumentos nos preços em todos os meses de 2024, com uma inflação acumulada de quase 33% no ano. As condições climáticas do Brasil, que enfrentou ondas de calor e forte estiagem nas regiões produtoras (como Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo), e do Vietnã, segundo maior produtor global, que passou por um período de seca histórica e, depois, por chuvas muito intensas, ajudam a explicar o aumento no preço da commodity, que atingiu o maior preço nos mercados internacionais em quase 50 anos.

Já o azeite de oliva está em situação ainda pior para o bolso do consumidor: a última vez em que o IPCA registrou queda no preço da iguaria foi em outubro de 2022. Em 2024, o azeite já acumula um acréscimo de 21,6% nos preços, sendo que no ano passado o produto já havia encarecido mais de 37,1%.

No caso do azeite, o problema vem da produção de azeitonas na Europa, de onde o Brasil importa a maior parte do que é consumido nacionalmente. As regiões produtoras, como Itália, Espanha, Grécia e Portugal, sofreram com ondas de calor muito acima do normal nos últimos anos. Mesmo para uma árvore habituada com o clima mediterrâneo, como as oliveiras, as temperaturas acima de 40 °C resultaram em uma queda significativa na produção, jogando os preços mundiais lá para cima.

É o calor, inclusive, o extremo climático mais perigoso para a agricultura mundial. Um estudo publicado na revista Nature em março deste ano mostrou que a inflação relacionada ao calor (“heatflation”, no termo em inglês cunhado pelo Grist, veículo americano especializado em mudanças climáticas) pode aumentar os preços dos alimentos em até 3% por ano até 2035. Segundo a análise, para cada 1 °C de aumento nas temperaturas de determinado mês, a inflação no preço dos alimentos aumenta cerca de 0,2% ao longo do ano seguinte — isso desconsiderando os efeitos cumulativos de guerras e recessões globais.

Quando se fala do impacto das mudanças climáticas da agricultura, não se trata das alterações sazonais do clima, que sempre afetaram a produção, mas de eventos de alta intensidade. “Desde que surgiu, há 10 mil anos, a agricultura é afetada por variações do clima”, lembra Eduardo Assad, pesquisador do Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Agro) e ex-pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). “Mas o que está acontecendo agora é que essas alterações estão ocorrendo em um tempo muito curto. No passado eram mil anos, dois mil anos para essas coisas acontecerem. Hoje, estão acontecendo em um intervalo de 10 anos, 20 anos.”

A culpa disso é do ser humano, que está aquecendo o planeta com a emissão de gases do efeito estufa gerados especialmente pela queima de combustíveis fósseis, mas também pelo desmatamento e pela produção agropecuária.

“O caminhão está na descida e está sem freio, o que vai acontecer? [A situação do clima] é mais ou menos isso. Nós estamos num momento de emergência climática e de alta vulnerabilidade. São temperaturas elevadas, chuvas fortes, evapotranspiração alta. A produtividade cai, a produção cai, o risco de produzir aumenta. Nós vamos ter que comer comida feita em impressora 3D”, diz Assad.

Chuvas sem precedentes no Rio Grande do Sul afetou sua produção agrícola (Foto: Bruno Peres/Agência Brasil)

No biênio 2023-2024, o Brasil esteve sob influência do El Niño, um fenômeno climático natural, que costuma causar chuvas intensas na região Sul, seca no Norte e no Nordeste e temperaturas mais altas no Sudeste e no Centro-Oeste, entre outros efeitos. Só que as mudanças climáticas amplificaram e muito os efeitos do El Niño, segundo estudos de atribuição do centro de pesquisas World Weather Attribution (WWA).

As chuvas sem precedentes que atingiram o Rio Grande do Sul e afetaram sua produção agrícola, por exemplo, foram duas vezes mais prováveis e de 6% a 9% mais intensas por conta das mudanças climáticas. A seca histórica que atingiu a Amazônia em 2023 – e se repetiu em 2024 – foi 30 vezes mais provável. Já as ondas de calor que assolaram quase todo o país em 2023 foram 100 vezes mais prováveis por causa do aquecimento global.

Vale deixar claro: o clima não é o único fator que afeta os preços dos alimentos. O valor recorde do dólar, por exemplo, deixa mais atrativa a exportação, reduzindo a oferta interna. Além disso, encarece a compra de insumos que são dolarizados ou importados, incluindo ração animal e agrotóxicos. As guerras na Ucrânia e na Palestina também ajudam a pressionar os preços, assim como aumento nos custos de transporte e dificuldades logísticas.

Giampaolo Pellegrino, pesquisador da área de Mudanças Climáticas Globais da Embrapa, destaca que mais do que os eventos climáticos extremos, a falta de capacidade de lidar com essa nova realidade é que faz com que a produção agrícola seja tão afetada.  Entre as soluções possíveis para minimizar os efeitos climáticos na inflação, Pellegrino cita a criação de estoques reguladores, que possam ser utilizados em um momento de menor oferta no mercado, uma melhor logística de transporte e um manejo do solo que o proteja contra os extremos climáticos.

“A gente pode e deve ter alternativas de adaptação, de redução desse impacto [das mudanças climáticas]. Isso envolve a capacidade de não deixar os preços de determinado alimento subirem ou ter alternativas para evitar o impacto na produção”, afirma o pesquisador.

Enquanto as autoridades não freiam as emissões de gases do efeito estufa nem promovem políticas profundas de adaptação às mudanças climáticas, a população segue sofrendo, não apenas com os efeitos diretos de desastres climáticos, mas também no bolso.

No clima de retrospectiva de final de ano, a Agência Pública relembra  quais alimentos tiveram maior aumento nos preços ao longo de 2024 e como o clima tem tudo a ver com isso.

No primeiro mês do ano, a grande campeã da inflação foi a cenoura.

O legume, que já havia acumulado mais de 40% de aumento nos preços em 2023, iniciou o ano subindo quase 44%. No atacado, chegou a custar quase R$ 8 o quilo, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). O alimento voltou a subir no mês seguinte, com um aumento de 9,1%, antes de iniciar uma trajetória majoritariamente de queda, com um acumulado anual de -24% até novembro (não chegou a R$ 3 o quilo no mês passado).

O aumento do preço no início do ano se deveu principalmente às intensas ondas de calor que atingiram quase todo o Brasil entre setembro e novembro de 2023, incluindo a principal cidade produtora do alimento, São Gotardo (MG), na região do Alto Paranaíba. Além disso, as chuvas intensas na região Sul, outra produtora relevante de cenoura, também foram um problema.

Segundo explicou a pesquisadora do Cepea Renata Bezerra Meneses ao G1, o calor fora do normal fez com que os agricultores tivessem muitos problemas com doenças nas plantações, além de terem que descartar cenouras que não atingiram o tamanho considerado adequado para o mercado consumidor.

Em fevereiro, teve carnaval e também teve aumento no preço de uma hortaliça polêmica, tópico de acaloradas disputas entre seus fãs e seus haters. O controverso coentro foi o alimento com maior aumento no mês, ficando 18% mais caro, segundo o IBGE. O tempero também ficou mais caro em março, subindo 14,3%. No ano, o alimento registra um aumento acumulado de 6,1% até novembro.

As ondas de calor e a chuva acima do normal ajudam a explicar a menor oferta do coentro no início do ano, já que as altas temperaturas e o excesso de umidade fazem com que as folhas amarelem e fiquem impróprias para consumo. Há quem tenha comemorado a notícia…

A cebola fez os consumidores chorarem entre março e abril deste ano. Não estamos falando das substâncias químicas liberadas durante o corte do legume, mas do aumento do seu preço nos supermercados. No ranking da inflação, o alimento foi o quarto com maior acréscimo em ambos os meses.

A cebola, que já havia registrado aumento nos preços em fevereiro, ficou 14,3% mais cara em março. No mês seguinte, subiu mais 15,6%, ficando quase todo mês de abril acima dos R$ 7 o quilo, segundo dados da Conab – ante um preço na faixa dos R$ 4 em janeiro. A trajetória de aumento continuou em maio, antes dos preços começarem a desabar; no ano, a cebola tem queda acumulada de 33,8%.

Segundo relatório publicado pela revista Hortifruti Brasil, da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq/USP), as chuvas volumosas que atingiram a região Sul no último trimestre de 2023 resultaram em podridão, umidade dentro dos bulbos e má formação da casca. Paralelamente, o Nordeste passou por meses de calor excessivo, que geraram perda de calibre das cebolas.

Em maio, o “campeão” da inflação liderou com ampla margem: a batata-inglesa registrou aumento de 20,6%, chegando a custar mais de R$ 7,60 o quilo, de acordo com dados da Conab. O tubérculo, que acumula uma inflação de 7,6% no ano, também registrou aumentos acima de dois dígitos em janeiro (29,4%) e em junho (14,5%). Em novembro tinha caído para menos de R$ 5 na maior parte do mês.

A colheita da batata no Brasil tem três diferentes safras: a das chuvas, de dezembro a março; da seca, de abril a julho; e de inverno, de agosto a novembro. O aumento nos preços registrado em maio tem a ver com o fim da safra das águas e com uma colheita muito abaixo da expectativa no início da safra da seca.

A razão, segundo relatório da Hortifruti Brasil, envolve a falta de produtividade das lavouras do Paraná, que sofreram com altas temperaturas e chuvas irregulares, e com a catástrofe climática no Rio Grande do Sul, que impediu o início da colheita no estado.

No sexto mês do ano, a manga esteve no pódio dos alimentos com maior inflação, registrando um aumento de 17,1%, o terceiro maior para o mês entre os alimentos. Segundo dados da Conab, a manga chegou a custar mais de R$ 8 o quilo no varejo em julho. A fruta, que também teve inflação acima de dois dígitos em janeiro (23,3%) e fevereiro (16,9%), iniciou em julho uma trajetória de queda e registra -3,2% no acumulado de 2024 – chegou a R$ 3 em novembro.

O aumento dos preços no primeiro semestre, explica o pesquisador Lucas Bezerra, do Cepea, tem a ver com a sazonalidade da fruta, que costuma ser colhida no Vale do São Francisco, uma das principais regiões produtoras, no segundo semestre.

Mas o clima também atrapalhou: “a produtividade foi impactada por conta das altas temperaturas, que limitaram o desenvolvimento e pegamento das floradas, de outubro de 23 até o começo de 24. Depois, as áreas foram mais impactadas pelo excesso de chuvas, que começou a atingir a região ali em meados de fevereiro deste ano”, diz Bezerra. As condições climáticas também fizeram com que houvesse um aumento da antracnose, uma doença fúngica, reduzindo ainda mais a oferta.

Não importa como você chama: tangerina, mexerica ou bergamota. O fato é: a fruta está mais cara em 2024. O alimento já foi um dos campeões de inflação acumulada em 2023, quando os preços subiram 43%, e segue em trajetória crescente esse ano. Em 2024, os preços começaram a disparar em julho, quando a Conab registrou o quilo no varejo na faixa de R$ 6,90. A tendência de alta se manteve ao longo do segundo semestre, com aumentos entre 4% e 10%. Até novembro, o aumento acumulado no preço da tangerina chegou a 68,1%, o quarto maior entre todos os alimentos.

Além do aumento nos preços dos insumos, os produtores da fruta vêm sofrendo com perdas por conta da doença de greening, causada por uma bactéria transmitida pelo psilídeo, um inseto. Para piorar, a fruta também sofreu com condições climáticas atípicas, incluindo chuvas de granizo.

Segundo relatou Antonio Carlos Simonetti, conselheiro da Associtrus (Associação Brasileira de Citricultores), em entrevista à Folha de S. Paulo, o excesso de chuvas no Sul e no Sudeste “lavou” o adubo em plantações nas regiões produtoras, diminuindo a oferta da fruta. As chuvas excessivas favorecem, inclusive, a disseminação do greening, em um efeito negativo acumulado.

Para tristeza dos brasileiros com prisão de ventre, nenhum alimento teve maior inflação em agosto do que o mamão. A fruta ficou 17,58% mais cara, segundo o IBGE, chegando a ser cotada acima dos R$ 5 o quilo na variante formosa e de R$ 8 na haway. O mamão também registrou aumentos acima de dois dígitos em abril (22,8%) e em setembro (10,3%). No ano, a inflação acumulada é de -2,65%.

Lucas Bezerra, do Cepea, explica que o mamão é uma fruta especialmente sensível às condições climáticas e que as altas temperaturas que atingiram o semiárido nordestino e o Espírito Santo em agosto e setembro afetaram a produtividade da fruta. Além disso, dificuldades no transporte da fruta, que é extremamente perecível, também podem ter contribuído com o aumento nos preços.

No segundo semestre, ficou mais caro se refrescar no Brasil. Para os amantes da caipirinha, o limão pesou no bolso; para quem prefere algo sem álcool, como um bom suco de laranja, os preços também dispararam. As duas frutas cítricas acompanharam o crescimento na inflação da “prima” tangerina.

A inflação acumulada em 2024 no preço da laranja-lima foi a segunda maior do ano (até novembro) entre os alimentos: 96,9%. A do limão foi a terceira maior, 82,8%.

Boa parte do aumento no preço dos dois cítricos se deu entre setembro e outubro. O limão liderou o ranking em ambos os meses, com aumentos de 30,4% em setembro e de 46,8% em outubro – a maior inflação mensal dentre todos os alimentos em 2024. A fruta também registrou aumento acima de dois dígitos em março. Segundo dados da Conab, o limão chegou a custar mais de R$ 9 o quilo na média, bem acima do preço do início do ano, quando estava cotado na faixa dos R$ 2.

Já a laranja-lima foi o terceiro alimento que mais subiu em setembro (14,7%) e o segundo em outubro (26,1%). A variedade da laranja também registrou aumentos acima de dois dígitos em janeiro e em novembro. Não há registros de preços da laranja-lima na Conab, já que o órgão apenas registra preços para a laranja-pera (que também está mais cara em 2024, com quase 50% de aumento acumulado).

Assim como a tangerina, explicou à Pública o pesquisador do Cepea Renato Ribeiro, a laranja-lima e o limão vêm sofrendo com a disseminação do greening, doença de difícil controle e que devastou laranjais da Flórida (EUA).

Mas as condições climáticas também têm sido determinantes para os aumentos significativos nos preços. Tanto no caso da laranja quanto no do limão, as ondas de calor e a seca intensa que atingiram as regiões produtoras (São Paulo e Minas Gerais, em especial) reduziram a oferta e ainda fizeram com que a qualidade das frutas disponíveis caís – isso em um momento em que a demanda começa a subir, com os consumidores querendo se refrescar do calorão.

Não está fácil a vida dos restaurantes mexicanos no Brasil. Nenhum alimento ficou mais caro em 2024 do que o abacate, matéria-prima da deliciosa guacamole. O aumento acumulado no ano já passa dos 129%; só em novembro, o abacate ficou 43,8% mais caro, chegando a custar mais de R$ 20 o quilo em vários dias do mês passado – em janeiro, o quilo no varejo estava na faixa dos R$ 5, segundo a Conab.

A entressafra, que se inicia em agosto, assim como aumentos nos custos de produção e de frete, explicam em parte o aumento expressivo nos preços no segundo semestre. Mas também tem a ver com o clima: na época de florada da fruta, em agosto e setembro, as ondas de calor e a baixa umidade do ar, causada pela falta de chuvas, fizeram com que muitas plantas abortassem, reduzindo a oferta do alimento nos meses seguintes.

 

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