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Se há uma imagem que mexe com meus pensamentos é ver corpos não estáticos, especialmente imagens de corpos negros — e suas culturas — subvertendo ordens. Fico deslumbrado!

Nas culturas de matrizes africanas, os corpos não são somente pedaços de carnes, músculos, veias e ossos; eles vão muito além destas representações puramente físicas.

Nossos corpos são ferramentas de interação e interligação social, cultural, espiritual e política. Eles envolvem diversas formas de se comunicar com seus diversos órgãos, que se transformam em um organismo, um todo interrelacional.

Nas tradições de matrizes africana (candomblé), estes órgãos são verdadeiros emissores de significados e sentidos, além de uma energia vital conhecida como Axé — não confundir com Axé Music, um ritmo baiano que enriqueceu muita gente branca, menos a sua gente negra!

Há um desabrochar de uma corporeidade sensível por parte dos adeptos destas tradições. Seus membros (órgãos), não tem somente utilidades físicas, lógicas e racionais, eles transmitem sentidos e códigos que se revelam conforme os sentidos são provocados ao longo da vida.

Esses órgãos e corpos, que são negros, muitas vezes se comunicam em uma maneira própria, mediante suas histórias e culturas.

Não dá para encapsular estas formas de comunicação conforme os conceitos que fomos adestrados/domados a pensar. As comunicações destes corpos nem sempre aconteceram a partir de sons, mas de outros jeitos e formas muitas vezes inaudíveis aos surdos coloniais. Exu que o diga!

Seja a partir do olhar, das expressões faciais, dos trejeitos do corpo, dos códigos nas vestimentas e adornos, das suas pinturas rituais, ou dos sonhos que vêm como mensagem das dimensões de nossos ancestrais e divindades, estas comunicações só serão percebidas pelos que pertencem e vivenciam estas tradições e seus sentidos.

Algumas vezes ouvi dos mais velhos que “o corpo fala” e que “‘hum hum’ quer dizer é coisa!”, seja de aprovação ou de negação.

Estar dentro desses contextos significacionais é fruto de um aprendizado vivencial de observação e paciência. Em outro texto nesta coluna já falei sobre “Suru” — a paciência –, e de como é importante absorvê-la para que não sejamos apressados, “pois apressado come cru”.

Trazer estas questões dos corpos e sua corporeidade negra apenas no âmbito religioso é, no mínimo, reducionista, colocando a discussão de forma rasa. O que se tornou religiosidade de matriz africana foi fruto das ressignificações históricas entre trocas dos povos africanos e outras tradições, algumas colonizadoras, que têm em seu cerne a institucionalização religiosa cristã dominante enquanto referencial para todos.

Pronto, nos ferramos!

Ressignificação sincrética, não houve alteridade, só apagamento!

Tais trocas foram nefastas para estes corpos, pois fizeram com que perdêssemos muitas características culturais africanas de suma importância na linguagem comunicacional própria de nossos corpos e povos.

Voltando aos povos de candomblé, esses corpos que se tornam corporeidade, falam e se abrem a outras experiências, que permitem que se reencantem. Seja na vinda de suas divindades ancestrais neste corpos abertos e ligados no mundo perceptivo da espiritualidade Afro-Brasileira; seja em uma identidade própria que muitos não conseguirão interpretar. Dirão que não temos uma filosofia identitária de nossos corpos e corporeidade.

Estes corpos não são estáticos, imóveis, sem funções distintas, desconectados dos outros órgãos que o faz parte conjunta.

Seja dançando, cantando, batucando, estas danças, cantos e batuques permitem que histórias e memórias ancestrais se materializem nesse corpo vivo, atemporal e quântico. Passado, presente e futuro fogem a uma ordem cronológica de tempo e espaço determinado e estabelecido.

Balancem os seus corpos, remexam, se bulam. Não fiquem imóveis frente aos diversos represamentos que somos atravessados nas negações de nossos corpos distintos.

Não deixem matarem suas corporeidades. Não deixem de sentir, não deixem de se arrepiar ou arrupiar!

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