Ontem uma amiga me disse que estava com saudades de ler uma crônica “mais leve”, algum texto que fugisse um pouco das efemérides trágicas do Brasil. Um pouco menos de notícias políticas mais “à quente” e um pouco mais de um certo tempo da delicadeza que, se não me engano, não se vê mais por aí, dizia ela. Preocupados que estamos todos e todas em produzir, teríamos esquecido que viver é também e, sobretudo, se distrair do mundo ou se distrair no outro. Às vezes também chamam isso de amor. Por isso, para essa amiga, lembro aqui de um poema que escrevi há quase duas décadas.
Se me lembro bem, estava perdidamente apaixonado por uma arqueóloga. Numa pesquisa de campo, escavamos a São Paulo antiga, portuguesa, africana e indígena. Depois de revirarmos os triviais e violentos vestígios do passado, resolvemos ir embora. Numa grande avenida da zona leste da cidade, tudo nublado, triste e cinza, o sinal estava fechado pra nós. Mas daí veio o beijo. E distraída no beijo sem fim, a poesia. Pouco depois nasceu um poeminha bem piegas, de quando um dia achei que poderia ser poeta. Reencontrei ele nesses dias tão estranhos, num pedaço de papel amarelado pela vida, pelo tempo, pelo luto. Perto da minha nova revolução solar, disse outra amiga, vou me reencontrando com as estratigrafias ou camadas doces da vida. O poema era mais ou menos assim:
“Beijo no farol, sem o sol
Seixo de trincheira, de bobeira
Reminiscências de uma flor
Imortalizadas num fossilização de amor…
Vidro furta-cor, que apanho na terra seca de furor…
Calor sem graça, quando vejo que tudo se tornou brasa…
Beijo de pirraça, de magia, de cachaça
Beijo de canto, de tempo, de vento
Beijo de encanto, pranto, espanto…
Beijo no farol, sem o sol…”
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