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Teto de gastos x novo arcabouço fiscal: entenda as principais diferenças entre as regras

A principal diferença apontada entre as duas regras refere-se ao crescimento nulo x crescimento real. Teto de gastos acaba congelamento o Orçamento, pois proibia o aumento real dos gastos do governo. Já o novo arcabouço garante o crescimento real das despesas
06/04/2023 | 17h00

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apresentou na semana passada uma proposta para um novo arcabouço fiscal (NAF) da União. O projeto, que visa criar regras para o crescimento das despesas do governo federal, foi elaborado para substituir o chamado teto de gastos, vigente desde o governo de Michel Temer (MDB). A proposta do novo arcabouço fiscal deve seguir para o Congresso Nacional na próxima semana.

Entenda as principais diferenças entre o teto de gastos e o novo arcabouço fiscal:

Crescimento nulo x crescimento real

Essa é apontada como a principal diferença do teto de gastos e do arcabouço fiscal.

O teto determinava que as despesas da União não poderiam crescer além do percentual acumulado da inflação de um ano para outro, por 20 anos. Isso, na prática, congelava o Orçamento pois proibia aumento real.

No NAF, o crescimento real das despesas está garantido. Pela proposta do governo do novo arcabouço fiscal, foi estabelecido um percentual mínimo anual de crescimento dos gastos: 0,6%. Todo ano, mesmo que a economia do país não cresça e a arrecadação fique estagnada, as despesas serão corrigidas pela inflação e receberão um aporte extra de 0,6%, no mínimo.

“No teto de gastos, o gasto só poderia crescer com base na inflação. Nesse sentido, não há um aumento real do gasto”, reforçou a economista Clara Brenck, pesquisadora associada no Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP). “O  NAF, por outro lado, define um aumento real mínimo.”

Tem política anticíclica ou não?

O teto de gastos não tem. O NAF, sim.

Política anticíclica é a ação do governo para conter uma crise ou esfriar a economia quando ela está crescendo demais usando gastos públicos.

O Teto de Gastos não previa isso em suas regras. Por isso, se a economia estivesse em crise e o governo decidisse estimulá-la via gastos, não poderia fazê-lo já que a regra proíbe crescimento de despesas acima da inflação. No cenário contrário, caso a inflação aumentasse demais, o governo poderia gastar mais, mesmo que não tivesse dinheiro em caixa para isso e se isso criasse um estímulo excessivo para a economia.

“O teto de gastos não tem nenhuma referência a questões cíclicas. Ele só limita o crescimento do gasto pela inflação”, complementou Clara.

No NAF, o piso 0,6% para o crescimento das despesas já fixa que, em períodos de crise, haverá um espaço –ainda que pequeno– para uma ação anticíclica do governo via gastos públicos. Já para os períodos de bonança, foi definido que a despesa não pode crescer mais que 2,5% ao ano. Isso impede que a União gaste demais num ano desequilibrando suas contas para anos seguintes.

“Se o PIB [Produto Interno Bruto] crescer muito e a arrecadação subir demais, o limite de 2,5% de crescimento das despesas impede que o gasto continue crescendo. Ele ameniza a força do ciclo durante seu crescimento”, explicou André Roncaglia, economista e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Na queda, caso a receita tenha variação negativa, você impede que a despesa também tenha variação negativa.”

Como ficam os investimentos?

Pelas regras do teto, o valor que o governo federal reserva para investimentos precisa caber dentro do total de despesas. Isso implica em três cenários possíveis: o montante ficaria congelado junto com as outras rubricas; o montante só cresceria se houvesse corte em outras áreas; o montante cairia ano após ano caso o governo fosse pressionado a aumentar gastos em Saúde, Educação, etc – o que, de fato, vinha ocorrendo.

No NAF, não há possibilidade de queda nos investimentos públicos. Isso porque foi estabelecido um piso para esses aportes baseado no valor reservado no Orçamento de 2023: cerca de R$ 70 bilhões. Anualmente, esse valor será corrigido pela inflação, o que garante, no mínimo, uma estabilidade de investimentos públicos.

“Dentro dos gastos que sobem entre 0,6% e 2,5% ao ano, há obrigatoriamente R$ 70 bilhões para investimentos”, explicou Clara.

Fora isso, foi proposto que, quando o governo cumprir as metas e obter recursos para ampliar seus gastos em mais de 2,5% de um ano para outro, o valor disponível acima do limite previsto no NAF possa ser destinado exclusivamente a investimentos. De acordo com um estudo do Made-USP, a tendência é que os investimentos cresçam.

“O fato de o investimento não precisar estar dentro do limite de 2,5% para crescimento da despesa o incentiva, o que é importante”, disse Clara.

Metas e punições

O NAF é mais complexo que a regra do teto porque inclui mais variáveis, prevê metas flexíveis para indicadores fiscais e ainda punições em caso de não cumprimento de regras.

No NAF, o crescimento das despesas está atrelado ao crescimento da arrecadação por impostos e ao cumprimento de metas de superávit primário –quando o governo recebe mais recursos que gasta. Na regra  geral, os gastos só podem crescer até 70% do percentual de crescimento da arrecadação de impostos de um ano para outro. Ou seja, a ideia é que a despesa cresça sempre menos que a receita visando ao superávit.

Foram estabelecidas metas para o superávit, com certa tolerância para mais ou menos. Se as metas não forem cumpridas, o crescimento da despesa cai para 50% da alta da arrecadação, podendo ser reduzido para 30% em caso de novo descumprimento de meta.

“O NAF considera uma banda de superávit, que tem uma meta central e um desvio para cima e pra baixo. Isso dá mais flexibilidade”, ressaltou Roncaglia. “Mas também tem um esquema para punição para governo que não conseguir atingir suas metas.”

No caso do teto, a meta de superávit é fixa, determinada no Orçamento. O governante que não a cumpre pode ser punido com base na Lei de Responsabilidade Fiscal, mas não há mudanças no Orçamento que visem melhorias nos indicadores fiscais.

Para além disso, o teto só considera a inflação para limitar os gastos. Independentemente da receita, se a inflação está em alta, as despesas seguem crescendo também. “O NAF considera tanto a despesa quanto a receita, por isso é mais abrangente”, disse Roncaglia.

Emenda Constitucional x Lei Complementar

Outra diferença importante entre o Teto de Gastos e o NAF é a forma como eles estão previstos na legislação nacional.

As regras do teto de gastos estão numa Emenda Constitucional aprovada em 2016. Qualquer alteração nessas regras precisa de uma nova emenda, que só é aprovada no Congresso com votos favoráveis de dois terços de deputados e senadores, em dois turnos de votação.

A proposta do NAF deve ser encaminhada ao Congresso como projeto de lei complementar. Nesse caso, ele só precisaria de maioria absoluta dos congressistas para ser aprovado e modificado, criando assim uma certa flexibilidade à norma.

E as semelhanças?

Tanto o teto quanto o NAF são regras fiscais que impõem limites aos gastos públicos. No teto, eles são mais restritos que no NAF, mas lá eles também existem.

Em ambas as regras, há gastos que ficam de fora dos limites. Não são limitados, por exemplo, os gastos de governo para pagamento da dívida pública e dos seus juros. Só no ano passado, foram R$ 1,879 trilhão, o que representou 46,3% do Orçamento, segundo a organização Auditoria Cidadã da Dívida (ACD).

Nem o Teto nem o NAF limitam gastos com o Fundo da Educação Básica (Fundeb) e a ajuda da União para que estados e municípios paguem salários de enfermeiros com base no piso nacional da categoria.

Brasil de Fato

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