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Xico Sá

Escritor e jornalista, faz parte da equipe de apresentadores do ICL Notícias. Com passagem por diversas redações e emissoras de tv, ganhou os prêmios Esso, Folha, Abril e Comunique-se. Participou de programas como Notícias MTV, Cartão Verde (Cultura), Redação Sportv, Papo de Segunda (GNT) e Amor & Sexo (Globo). É autor de Big Jato (Companhia das Letras) e A Falta (Planeta), entre outros livros. O colunista nasceu no Crato, na região do Cariri cearense, e iniciou sua trajetória profissional no Recife.

Do ´pito do pango´ ao baseado, o país de Lira e Pacheco decide pelo racismo

Presidentes da Câmara e do Senado reagem com chiliques à decisão do STF; Brasil segue na "vanguarda do atraso" e vira piada na América Latina
26/06/2024 | 09h10

“O primeiro documento conhecido que restringe o uso da maconha foi uma postura da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, de 1830, penalizando a venda e o uso do “pito do pango”, sendo “o vendedor [multado] em 20$000, e os escravos, e mais pessoas que dele usarem, em 3 dias de cadeia”.

No princípio era o racismo, como neste registro da historiadora Luísa Saad, no livro “‘Fumo de negro’: a criminalização da maconha no pós-abolição” (Ed. UFBA).

No meio, também foi a mesma coisa, com o uso de teorias racistas, nos anos 1930, para criar as primeiras leis que proibiam o uso de Cannabis.

No fim, pelo que vimos nas reações do Congresso à decisão do STF pela descriminalização da planta, segue sendo o racismo — o critério preferido pelas polícias estaduais para decidir quem é traficante e quem é usuário é a cor da pele.

Repare nos dados desse estudo do Núcleo de Estudos Raciais do Insper: entre 2010 e 2020, a polícia de São Paulo enquadrou 31 mil negros como traficantes em situações iguais a outras em que brancos saíram livres, classificados como usuários.

Mesmo sabendo de tudo isso, a intenção demonstrada pelo deputado Arthur Lira e também por Rodrigo Pacheco, chefes da Câmara e do Senado, é seguir na mesma linha parlamentar da Câmara do Rio em 1830. Não muda nada.

A tal PEC das Drogas, em tramitação no Congresso, consegue ser até mais atrasada do que a lei do “pito do pango”, como era conhecida a regra estabelecida em 1830 pelo poder legislativo municipal do Rio. Na época, o castigo ficava em três dias de cadeia, vai ver agora quanto tempo uma pessoa preta da periferia pode penar nas masmorras ao ser flagrada com um baseado.

“Pito do pango” era uma referência à maconha fumada em cachimbos de barro, inicialmente no Quilombo dos Palmares.

O chilique de Arthur Lira e Pacheco, depois da tímida porém importante decisão do STF, revela como a dupla vai se empenhar para endurecer a legislação. Talvez citem até Cesare Lombroso, o higienista italiano que servia de base “científica” para o racismo brasileiro nos anos 1930, quando a maconha passou a ser enquadrada em leis federais.

O Brasil de Lira e Pacheco segue na retaguarda do atraso. E parece sentir orgulho das trevas. Nossos vizinhos de América Latina (argentinos, chilenos, colombianos e peruanos) riem do vexame brasileiro.

Os uruguaios, mais avançados ainda, legalizaram geral há dez anos. Colhem os bons resultados econômicos e na queda de índices de violência ligados à burrice da “guerra às drogas”.

Do pito do pango ao baseado, o país de Arthur Lira e Pacheco insiste em desistir dos avanços civilizatórios. O negócio é atender às legiões fundamentalistas religiosas e ajudar as organizações do crime com farta mão de obra para as narcomilícias. O RH do tráfico agradece.

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