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Beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bi em ‘bets’ em agosto, aponta BC

Levantamento também mostra que brasileiros gastaram, só neste ano, cerca de R$ 20 bilhões por mês em apostas on-line.
25/09/2024 | 12h16

Análise técnica sobre o mercado de apostas on-line do Brasil, realizada pelo Banco Central, mostra que beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em bets via Pix somente no mês de agosto (clique aqui para ver a análise técnica na íntegra). O montante destinado às empresas de apostas corresponde a 20% do valor total repassado pelo programa no mês.

“Para identificar as pessoas em grande vulnerabilidade financeira, utilizou-se a informação de beneficiários do PBF [Programa Bolsa Família] existente em dezembro de 2023. Cerca de 17% desses cadastrados apostaram no período. A proporção de apostadores é praticamente a mesma quando se examina apenas quem de fato recebe o benefício governamental, os chefes de família”, diz trecho da nota.

O levantamento do BC mostra que:

  • Do universo de 20 milhões de beneficiários do programa de transferência de renda, 5 milhões fizeram apostas no mês passado.
  • Na mediana, o valor gasto por pessoa foi de R$ 100.
  • Do total de apostadores, 70% são chefes de família, ou seja, quem de fato recebe o dinheiro transferido pelo governo.
  • O grupo que forma esses 70% enviou R$ 2 bilhões via Pix às bets em agosto.

A análise técnica do BC também mostra que:

  • Ao longo deste ano, os valores mensais de transferência bruta para bets variaram entre R$ 18 bilhões e R$ 21 bilhões.
  • Aproximadamente 24 milhões de pessoas físicas participaram de jogos de azar e apostas on-line, realizando pelo menos uma transferência via Pix durante o período analisado.
  • Somente no mês de agosto, segundo o Banco Central, foram identificadas R$ 21,1 bilhões em apostas via Pix (levando em conta todos os apostadores e bets que o Banco Central conseguiu identificar).
  • Com base nas transferências que são feitas dessas empresas para pessoas físicas, o BC estima que aproximadamente 15% do que é apostado seja retido pelas empresas, com o restante distribuído aos ganhadores a título de prêmio.

A análise detectou o seguinte perfil do apostador:

  • Embora as apostas sejam realizadas por indivíduos de diferentes faixas etárias, a maioria dos apostadores tem entre 20 e 30 anos.
  • O valor médio das transferências mensais aumenta com a idade: os mais jovens gastam cerca de R$ 100 por mês, enquanto indivíduos mais velhos ultrapassam os R$ 3.000 mensais em apostas.

O levantamento do BC sobre apostas on-line ainda será aprofundando. O relatório foi realizado a partir de um pedido do senador Omar Aziz (PSD-AM).

O parlamentar acionou a PGR (Procuradoria-Geral da República) para tentar tirar do ar os sites de apostas esportivas, como as bets, até que as empresas sejam completamente regulamentadas pelo governo federal.

O ICL (Instituto Conhecimento Liberta) saiu na frente para alertar para o problema de saúde pública que tem se tornado o mercado de bets no Brasil. O instituto lançou uma campanha para incentivar celebridades e influenciadores digitais a não fazerem propagandas dessas empresas e um documentário sobre o tema.

Transferências via Pix para bets triplicaram desde janeiro, diz Campos Neto

Em evento organizado por um banco ontem de manhã em São Paulo, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, disse que as transferências via Pix para apostas triplicaram desde janeiro, crescendo 200%. Ele manifestou preocupação que o comprometimento da renda com as bets, principalmente de camadas mais pobres, prejudique a qualidade do crédito devido a um eventual aumento da inadimplência.

“A correlação entre pessoas que recebem Bolsa Família, pessoas de baixa renda e o aumento das apostas tem sido bastante grande. A gente consegue mapear o que teve de Pix para essas plataformas e o crescimento de janeiro pra cá foi bastante grande. A gente pega o ticket médio e subiu mais de 200%. É uma coisa que chama atenção e a gente começa a ter a percepção de que vai ter um efeito na inadimplência na ponta”, comentou Campos Neto.

Os dados da análise do BC consideraram apenas os recursos pagos pelos apostadores utilizando o sistema de pagamentos instantâneos, o PIx, e não contabilizam, por exemplo, desembolsos realizados por outros meios, como cartões de débito ou crédito. Isso significa que as cifras podem ser ainda mais elevadas. A nota técnica do BC também não contabiliza eventuais prêmios sacados pelos apostadores.

Vários estudos têm mostrado que os brasileiros estão deixando de investir em itens de necessidades básicas para apostarem em bets. Esse mercado tem afetado principalmente famílias mais pobres e jovens.

“Esses resultados estão em linha com outros levantamentos que apontam as famílias de baixa renda como as mais prejudicadas pela atividade das apostas esportivas. É razoável supor que o apelo comercial do enriquecimento por meio de apostas seja mais atraente para quem está em situação de vulnerabilidade financeira”, afirma a nota do Banco Central.

Em agosto, o Bolsa Família repassou R$ 14,1 bilhões para mais de 20 milhões de beneficiários. O valor médio por família pago no mês foi de R$ 681,09.

No fim do ano passado, o Congresso aprovou e o governo sancionou uma lei que regulamenta as apostas online no Brasil.

A regulamentação traz uma série de regras para que essas empresas possam operar no país e estipula pagamento de impostos — o que hoje não acontece.

O Ministério da Fazenda publicou portaria em 17 de setembro para acelerar a regularização das apostas on-line. As empresas de apostas de quota fixa que ainda não pediram autorização para funcionar terão suas atividades suspensas a partir de 1º de outubro. Anteriormente, isso só aconteceria em janeiro de 2025, mas o governo decidiu antecipar devido ao que vem sendo chamada de “pandemia” das bets no país.

Em Nova York, Lula diz que bets são desafio urgente

Durante um evento organizado pelo Brasil e pela Espanha na ONU (Organização das Nações Unidas), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) alertou para o crescente problema do endividamento de pessoas de baixa renda causado por apostas on-line. Em sua fala ontem (24), no evento “Em defesa da democracia, combatendo os extremismos”, Lula ressaltou a urgência de uma regulamentação mais rígida do setor de apostas, afirmando que o governo federal deve intervir para proteger as famílias mais vulneráveis.

“O Brasil sempre foi contra cassino, qualquer tipo de jogo de azar. Hoje, através de um celular, o jogo está dentro da casa da família, da sala”, declarou Lula, fazendo referência ao fácil acesso das apostas online nos lares brasileiros.

Lula destacou ainda o impacto social do fenômeno: “estamos percebendo no Brasil o endividamento das pessoas mais pobres tentando ganhar dinheiro, fazendo aposta. É um problema que vamos ter que regular, senão daqui a pouco vamos ter cassino funcionando dentro da cozinha de cada casa”, acrescentou o presidente.

Redação ICL Economia
Com informações das agências de notícias

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