O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, lançou, no fim de semana, nova ofensiva ao Brics, bloco que originalmente reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. O republicano ameaçou sobretaxar os países do grupo em 100% se for criada mesmo uma moeda alternativa ao dólar para as negociações, uma ideia do presidente Lula (PT).
“Exigimos que esses países se comprometam a não criar uma nova moeda do Brics, nem apoiar qualquer outra moeda que substitua o poderoso dólar americano, caso contrário, eles sofrerão 100% de tarifas e deverão dizer adeus às vendas para a maravilhosa economia norte-americana”, escreveu Trump em sua rede social, Truth Social.
O recado acontece no momento em que o Brasil se prepara para assumir a presidência do bloco e quer colocar o debate da moeda como um dos pilares dos trabalhos em 2025.
A proposta do presidente brasileiro não é substituir as moedas nacionais, mas oferecer alternativas ao domínio do dólar nas transações internacionais, com o objetivo de diversificar as opções de comércio exterior, especialmente para os países do bloco Brics. Lula enfatizou a necessidade de implementar essa ideia com “cautela e solidez técnica”.
O Brasil já exporta mais para o Brics do que para Estados Unidos e União Europeia juntos, conforme dados do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços). Os dados da pasta mostram que a balança comercial é favorável ao Brasil com os parceiros emergentes, enquanto para EUA e UE, o resultado é negativo.
Fundado há 15 anos, o Brics, além dos cinco países originalmente no bloco, teve a adesão de Egito, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Etiópia e Irã em 2023.
Grande fatia das exportações para os países do bloco vão para a China. Em 2023, o volume de compras dos chineses de produtos brasileiros representava 84,5% do Brics.
Porta-voz do Kremlin diz que ameaça de Trump ao Brics pode ser um “tiro pela culatra”
Em resposta à ameaça de Trump, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse nesta segunda-feira (2) que qualquer tentativa dos EUA de obrigar os países a usar o dólar será um “tiro pela culatra”.
Ele disse que o dólar está perdendo seu apelo como moeda de reserva para muitos países, e que a tendência estava ganhando ritmo.
Dois dos principais alvos de Trump estão no Brics: China e Rússia. A disputa é por hegemonia. Afinal, o bloco representa 46% da população mundial e o PIB (Produto Interno Bruto) combinado dos membros do grupo ultrapassa o das potências ocidentais, segundo as projeções do FMI (Fundo Monetário Internacional).
Economias do bloco incluem a China (2ª maior do mundo), Índia (7ª), Brasil (9ª) e Rússia (11ª).
Desde o Acordo de Bretton Woods, em 1944, o dólar tornou-se a moeda no comércio internacional. Sua aceitação universal e a ligação com instituições financeiras globais solidificaram sua posição como referência mundial.
Porém, a dependência das nações ao dólar gera vulnerabilidade às flutuações do dólar e à política monetária dos Estados Unidos, impactando economias emergentes.
Entre outros motivos para a substituição, estão os problemas geopolíticos, como a exclusão de bancos russos do sistema Swift (Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication), após o país presidido por Vladimir Putin ter invadido a Ucrânia, há 2 anos e 11 meses. Essa foi uma das sanções sofridas pela Rússia desde então.
Ao ser excluída do sistema, a Rússia passou a reivindicar transações em outras moedas, que não o dólar, para não ficar muito dependente do sistema internacional e não ver suas transações diminuírem.
Na avaliação do economista Paulo Nogueira Batista Jr., em artigo publicado no Brasil de Fato, a atual ordem monetária e financeira internacional, dominada pelo dólar americano, demonstra-se “disfuncional e insegura”. “O sistema foi transformado em arma geopolítica para aplicação de sanções, punições e confiscos”, argumentou.
Segundo ele, o sistema de pagamentos Swift, controlado especialmente pelos Estados Unidos, é “sistematicamente usado como instrumento para punir e ameaçar países e entidades vistas como hostis ou pouco amigáveis”. “Bancos desses países são sumariamente excluídos do sistema, como aconteceu com a Rússia”, exemplificou.