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Alçado ao posto de presidente do Banco Central na gestão de Jair Bolsonaro (PL), em 2021, o economista Roberto Campos Neto encerra seu mandato à frente do BC nesta terça-feira (31/12), deixando um tremendo abacaxi como legado ao seu sucessor, o atual Diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo.

Indicado pelo presidente Lula (PT) ao cargo, Galípolo terá que enfrentar uma política monetária contracionista, com a taxa básica de juros na casa dos 12,25% ao ano.

Ademais, a inflação oficial, medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), deve encerrar 2024 próxima dos 5,00%, como indica a prévia do indicador (IPCA-15) divulgada na semana passada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Se isso acontecer, Campos Neto termina seu mandato com três dos seis anos à frente da autarquia (ele assumiu o cargo em fevereiro de 2019) com inflação fora do teto da meta definida pelo CMN (Conselho Monetário Nacional). O centro da meta neste ano é de 3%, podendo oscilar entre 1,5% (piso) e 4,5% (teto).

Sob gestão dele, a inflação esteve acima da meta em 2021 e 2022, dois últimos anos do governo Bolsonaro. Voltou a estar dentro do estimado no primeiro ano do novo governo Lula. Neste ano, porém, segundo o próprio BC, ele vai fechar o ano acima do limite de 4,5%. Em uma entrevista em novembro, ele atribuiu os descumprimentos aos efeitos da pandemia de Covid-19.

Dos antecessores dele que trabalharam sob o regime de metas, Armínio Fraga (1999-2003) descumpriu duas duas vezes, e Henrique Meirelles (2003-2010), Alexandre Tombini (2011-2016) e Ilan Goldfajn (2016-2019), uma vez cada.

O mandato de Campos Neto à frente do BC foi marcado por alta na taxa de juros:

  • Em fevereiro de 2019, quando assumiu, a Selic estava em 6,50%. Naquele ano, o primeiro do mandato do ex-presidente Bolsonaro, a taxa básica de juros encerrou o ano em 4,50%.
  • Em dezembro de 2020, devido à pandemia de Covid-19, a Selic chegou a 2,00% ao ano.
  • Em dezembro de 2021, a taxa chegou a 9,25% a.a.
  • Em dezembro de 2022, já estava em 13,75% a.a. Importante pontuar que a Selic chegou a esse patamar em 3 de agosto de 2022, permanecendo assim até 21 de junho de 2023, primeiro ano do governo Lula 3.
  • A Selic só começou a cair em 2 de agosto de 2023, quando chegou a 13,25%. O ciclo de queda foi até 31 de julho de 2024, quando o indicador atingiu 10,50% a.a.
  • A retomada do ciclo de alta começou na reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central de 18 de setembro deste ano, quando avançou para 10,75% a.a.
  • Na última reunião deste ano, em 12 de dezembro, foi anunciado ajuste de 1 ponto percentual na Selic, que subiu de 11,25% para 12,25% a.a.

Subir a Selic para combater a inflação, como fez Campos Neto, é medida ineficaz

Conforme a ata da última reunião do Copom, a medida foi tomada diante da alta da inflação, que alcançou 4,77% no acumulado deste ano, ultrapassando o limite de tolerância de 4,5%.

De acordo com especialistas ouvidos por reportagem do UOL, elevar a Selic não é suficiente para conter a alta dos preços. Ademais, esse instrumento causa impactos bastante negativos para a economia brasileira, como já começamos a verificar neste fim de ano.

Um dos piores aspectos é que os juros mais altos encarecem financiamentos e empréstimos, dificultando o acesso ao crédito por consumidores e empresas. Como consequência, esse encarecimento reduz o consumo e os investimentos, freando o crescimento econômico.

Outro aspecto já apontado pelos economistas do ICL (Instituto Conhecimento Liberta), como Eduardo Moreira, é que o Brasil não passa por inflação de demanda, mas de custo.

Quando a inflação é causada pelo excesso de consumo e investimento em relação ao que a economia pode produzir, juros mais altos atuam como um freio. Porém, dados recentes do IPCA-15 mostram que os preços têm subido em itens essenciais, como alimentos e bebidas (1,34%), além de categorias como despesas pessoais (0,83%) e transportes (0,82%).

Esse tipo de inflação, gerada por fatores como aumento de custos de produção, é mais difícil de ser combatida apenas com altas na taxa de juros, segundo os especialistas ouvidos pelo UOL (clique aqui para ver a edição do ICL Mercado e Investimentos que abordou o tema).

Segundo os especialistas, o custo dos alimentos não diminui com juros elevados, pois é influenciado por variáveis como clima, safras e condições dos mercados globais. “Alimentos são uma necessidade básica, com demanda pouco sensível ao crédito. Aqui, juros altos têm pouco ou nenhum efeito direto”, explicou Hugo Garbe, professor de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Carla Beni, economista e professora de MBAs da FGV, disse que uma maior massa salarial e menor desemprego fazem com que as pessoas consumam mais alimentos, o que pode aumentar a inflação.

Serviços

Os juros altos podem, sim, ter impactos em despesas pessoais, como serviços, pois provocam redução de demanda, aliviando a pressão sobre os preços.

“Nos transportes, o impacto é mais indireto: o crédito mais caro pode desestimular a compra de veículos ou o uso de serviços financiados, mas os preços de combustíveis — que têm grande peso nesse setor — respondem mais a fatores externos, como o petróleo”. pontuou Hugo Garbe, professor de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

De modo geral, usar só os juros como meio de controlar a inflação serve para estrangular a economia em um momento em que o Brasil vem registrando bons números, com desemprego atingindo os menores patamares históricos, ganho de renda e PIB (Produto Interno Bruto).

Os especialistas recomendam que controle dos gastos públicos, incentivo à produção por meio do governo federal, reformas estruturais, melhora da comunicação entre o BC e o Executivo e restrição da oferta de crédito são outras medidas que tanto o governo quanto o Banco Central podem adotar para que não seja preciso aumentar a taxa de juros para que a meta de inflação seja cumprida.

“Um aumento da Selic não resolve todos os problemas; pelo contrário, resolve cada vez menos. Tons inflacionários persistentes acabam dificultando o crédito, o que afeta negativamente as empresas que necessitam de financiamento para reinvestir nos seus negócios. Dessa forma, uma alta da taxa de juros provoca uma redução na atividade econômica e contribui para a desaceleração da economia no próximo ano”, enfatizou Carla Beni.

Sabotador

Além de ser pautado por uma política monetária mais contracionista, Campos Neto agiu politicamente quando deveria ter uma postura técnica, contribuindo para inflamar o mercado financeiro com apoio da grande mídia em momentos cruciais para sabotar o avanço econômico e, claramente, o mandato do presidente Lula (PT).

Não à toa, tem sido sondado por aliados de Bolsonaro, como o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), e o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), para ocupar cargos em seus governos.

Nos bastidores, o economista tem dito que vai tirar um sabático de dois meses antes de pensar no que fazer. Mas não se espante se o ex-tesoureiro do Santander ocupar algum cargo político em gestões de bolsonaristas com vistas às eleições de 2026. Por ora, o que se pode dizer é que Campos Neto já vai tarde.

 

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