O déficit histórico nas contas públicas revelado no fim de semana pelo secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, que ultrapassa os 10% do PIB (Produto Interno Bruto), vai deixar nas costas do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) um desafio muito grande. Na ocasião, Ceron disse que não há precedente na história o rombo deixado pelo governo de Jair Bolsonaro e seu “posto Ipiranga” Paulo Guedes (Economia).
Antes de falar do déficit, o secretário do Tesouro Nacional chegou a divulgar o superávit das contas do governo Bolsonaro em 2022, de R$ 54,1 bilhões, entregue pela equipe do ex-ministro Guedes. Ao ser questionado se esse superávit era artificial, Ceron evitou polemizar. “Esse debate não é completamente técnico e prefiro não responder”, disse ele, para depois afirmar que era um fato o déficit acumulado nos últimos anos, em decorrência, sobretudo, dos gastos da pandemia da Covid-19.
“É muito pior do que se imaginava porque, em 2022, as estimativas feitas pelo Instituto Brasileiro de Economia [Ibre FGV] era de que esse déficit girava em torno de R$ 430 bilhões, só que agora vemos que é muito pior. Estamos falando em algo próximo dos R$ 800 bilhões durante os quatro anos de governo”, disse o professor de economia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) André Roncaglia, que tratou do tema na edição de ontem (30) do ICL Notícias, programa de notícias diário do YouTube.
Os números mostram que as declarações insistentes de Bolsonaro e Guedes, principalmente ao longo da campanha eleitoral, de que a economia brasileira estava “bombando” , não encontram eco na realidade que se apresenta agora. Na opinião de Roncaglia, o rombo nas contas é resultado da soma de “uma orquestração muito bem-feita por parte do Paulo Guedes e do governo Bolsonaro para testar o mercado desde 2019 quanto à possibilidade de driblar o teto de gastos”.
Pelas contas do professor de economia, o governo Bolsonaro driblou o teto de gastos em cerca de R$ 56 bilhões em 2019 sem “suspiro nem soluço do mercado”. Em 2020, vem a pandemia e o teto de gastos é novamente driblado sob essa justificativa, “muito embora o governo tenha demorado para reagir”. Em suma, sob Bolsonaro a regra fiscal que limita o aumento de gastos do governo à inflação passada virou uma peneira.
Roncaglia salientou, no entanto, que o próprio Guedes disse, à época, que tomaria apenas R$ 5 bilhões (do teto), “mas acabou tomando dez vezes mais esse valor”. “E não para por aí! Em 2021, novo drible do teto, de cerca de R$ 116 bilhões e, em 2022, outro”.
Economista reconhece impacto da pandemia, mas atribui déficit histórico ao “pacote eleitoreiro monstruoso” de Bolsonaro
Sim, de fato a pandemia de Covid-19 trouxe impactos sobre as economias mundialmente e não foi diferente no Brasil. Mas, na opinião de Roncaglia, o acumulado de déficits ao longo dos quatro anos do governo Bolsonaro é mais reflexo da farra eleitoreira promovida por Bolsonaro e da ingerência de sua equipe sobre as contas públicas.
O professor lembrou que o governo elaborou aquela que ficou conhecida como PEC (Proposta de Emenda à Constituição) das Bondades, que turbinou o valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 e também autorizou um repasse de R$ 3,8 bilhões aos estados para dar competitividade tributária aos produtores de etanol frente à gasolina.
Além disso, o ex-mandatário, em sua sanha eleitoreira, desonerou os combustíveis para forçar a redução do preço da gasolina na bomba e evitar seus efeitos sobre a inflação e ainda reduziu a alíquota do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) de combustíveis, energia e comunicação, retirando caixa dos estados e jogando o problema na conta do atual governo.
Como lembrou Roncaglia, Bolsonaro ainda instituiu no calote dos precatórios, jogando a conta para depois. “É um calote de dívidas, não podemos esquecer! São R$ 50 bilhões de reais empurrados para a frente e em 2022 ele faz um pacote eleitoreiro monstruoso para tentar se reeleger usa os recursos públicos descaradamente”, disse.
A conta dessa farra, na opinião do economista, já estava aí e revelou-se pior do que o Brasil poderia supor. “Na discussão da previdência, o Paulo Guedes falou que economizaria R$ 800 bilhões em 10 anos. Ele gastou isso driblando o teto [de gastos] em quatro anos”, pontuou, referindo-se à proposta de reforma de Guedes em que ele queria capitalizar a previdência, prejudicando os mais pobres.
O economista também lembrou que os superávits propagandeados pelo governo anterior ocorreram às custas de redução de investimentos em áreas cruciais para um país como o Brasil, como educação, saúde, ciência e tecnologia e cultura. “Tudo isso é feito de maneira sistemática para gerar superávit ou resultados fiscais que são na aparência positivos, só que os déficits associados à cidadania precisam entrar nessa conta”, observou.
Redação ICL Economia
Com informações das agências de notícias e do ICL Notícias
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