O governo do presidente Lula (PT) encaminhou à Câmara dos Deputados, ontem à noite (2), a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) de corte de gastos, incluindo instrumentos legais para barrar os supersalários na administração pública.
O texto da PEC dá um comando para que o tema seja tratado em lei complementar, não mais em lei ordinária.
“Somente poderão ser excetuadas dos limites remuneratórios […] as parcelas de caráter indenizatório expressamente previstas em lei complementar de caráter nacional aplicada a todos os Poderes e órgãos constitucionalmente autônomos”, afirma o texto da proposta.
Uma lei complementar precisa do voto favorável de 257 deputados e 41 senadores para ser aprovada. É mais do que uma lei ordinária, que precisa do apoio da maioria simples dos presentes.
O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), afirmou que o Congresso poderá votar ainda neste ano os projetos que o governo anunciou com novas medidas de ajuste fiscal. Outros deputados ponderaram, entretanto, que é preciso avaliar com cuidado se as medidas serão suficientes.
Para José Guimarães, os parlamentares não devem levar em conta apenas o que o mercado financeiro acha das medidas. “É assim que se governa, não para o mercado, mas para todo o povo brasileiro, olhando para todos, o de baixo, o do meio e o de cima, porque é disso que o Brasil precisa. É essa reconstrução que estamos fazendo. E vamos votar, até o final do ano, essas medidas aqui na Câmara dos Deputados”, disse.
O governo anunciou medidas que devem economizar cerca de R$ 70 bilhões nos próximos dois anos, além de uma reforma no Imposto de Renda para viabilizar o aumento da faixa de isenção, a partir de 2026, para quem ganha até R$ 5 mil e tributação maior para os que recebem mais de R$ 50 mil mensais ou R$ 600 mil por ano.
Entre as medidas de corte de despesas, está a limitação do ganho real do salário mínimo aos limites do arcabouço fiscal. Ou seja, ele seria corrigido pela inflação e teria ganho real entre 0,6% e 2,5%. A lei atual fala em inflação mais a variação do PIB.
Outras duas propostas já haviam sido encaminhadas na sexta-feira: o projeto de Lei Ordinária e o Complementar, que estabelecem, por exemplo, um pente-fino nos benefícios, a implementação do cadastro biométrico, a adequação das despesas ao arcabouço fiscal e a mudança nas regras de reajuste do salário mínimo.
A parte que trata dos militares — aposentadoria e regra de transição — deve ser encaminhada ainda nesta semana, com os detalhes ainda em discussão. Economia do pacote todo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já havia detalhado: R$ 70 bilhões nos próximos dois anos ou R$ 327 bilhões até 2030.
Corte de gastos: proposta tenta fechar brechas a penduricalhos que engordam salários
A proposta do governo pretende acabar com brechas que permitem os chamados penduricalhos que acabam sendo usados para driblar a regulamentação do teto do salário do funcionalismo público, sobretudo pelo Poder Judiciário. Esse limite equivale à remuneração de ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), hoje em R$ 44 mil.
Segundo técnicos do governo, resoluções do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) têm status de lei ordinária. Por isso, o uso de instrumento semelhante para regulamentar o teto do funcionalismo seria facilmente contornável, deixando espaço para válvulas de escape.
Sendo assim, o governo deve encaminhar um projeto de lei complementar para estabelecer quais verbas remuneratórias não se sujeitarão ao teto. O texto da proposta já está em elaboração pelo Executivo.
Como se trata de uma lei complementar, a proposta também vai permitir regulamentar o tema para estados e municípios, onde há brechas ainda maiores para penduricalhos.
Nos municípios, o teto equivale ao subsídio do prefeito. Nos estados, a referência é a remuneração do governador (Executivo), dos deputados estaduais (Legislativo) ou 90,25% do subsídio de ministro do STF no caso dos desembargadores e membros do Ministério Público.
Cálculos do CLP (Centro de Liderança Pública) estimam que a regulamentação do teto remuneratório possa poupar cerca de R$ 5 bilhões em todas as esferas, mas especialistas veem um potencial até maior, dada a profusão de penduricalhos.
Há no Congresso um projeto nesse sentido. No entanto, a medida tem recebido críticas por incluir 32 exceções ao teto remuneratório.
“Passo importante”
Na quinta-feira passada (28), a ministra Esther Dweck (Gestão) disse que a ideia é ter uma lei complementar única para definir o que está fora do teto. Ela classificou a mudança de instrumento como um passo importante.
“Faz muita diferença, porque passa a ser uma lei única, que tem um quórum mais qualificado para qualquer alteração”, disse Dweck. “Essa lei única vai valer para todo mundo, todas as esferas e todos os Poderes”, complementou a ministra.
Ela ressaltou, porém, que a nova lei “precisa ser pactuada”, o que envolve negociações prévias com os demais Poderes, bem como com estados e municípios. A intenção é encaminhar o texto da proposta de regulamentação ao Congresso até o fim deste ano.
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