A indústria brasileira conseguiu um feito e tanto: avançou em um ritmo duas vezes maior do que o do total mundial no terceiro trimestre, segundo dados recentes da Unido (Organização das Nações Unidas para o desenvolvimento industrial) publicados em reportagem da Folha de S.Paulo. No entanto, o avanço ocorreu na época em que a taxa básica de juros, a Selic, ainda não tinha iniciado seu ciclo de alta. O presidente dos EUA, Donald Trump, também não havia assumido o poder com suas ameaças de taxação.
Com base nos dados da Unido, o Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial) mostra que a produção industrial no Brasil, em 2024, foi beneficiada pelo ciclo anterior, de taxas de juros mais baixas e melhores condições de crédito.
Os números mostram que a indústria de transformação brasileira conseguiu reverter uma queda de 1,0% no terceiro trimestre de 2023 e teve expansão de 4,6% no terceiro trimestre de 2024, quando tomada a comparação interanual, com correção de efeitos sazonais.
Enquanto isso, a produção manufatureira global registrou variação positiva de 0,4% no 3º trimestre, menos da metade do resultado do trimestre imediatamente anterior. Frente ao mesmo período de 2023, o crescimento foi de 2,3% no 3º trimestre de 2024.
Os dados mostram que o setor industrial perdeu dinamismo na Europa, na América do Norte e na China. Neste último país, por exemplo, o segmento desacelerou de 1,5% para 1,1% na comparação entre o trimestre imediatamente anterior e se manteve estável na comparação interanual.
Para efeito de comparação, dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que a produção da indústria nacional registrou retração de 0,6% na passagem de outubro para novembro. Foi o segundo mês consecutivo de queda, acumulando perda de 0,8% no período. Porém, em relação a novembro de 2023, a indústria cresceu 1,7% em sua produção, no sexto mês seguido de expansão. No ano, o segmento acumula alta de 3,2% e, em 12 meses, avanço de 3,0%.
Ciclo de Selic alta e governo Trump podem atrapalhar retomada da indústria brasileira
Contudo, o que foi bom pode ficar pior. Em dezembro, o Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central decidiu, por unanimidade, fazer uma alta de juros mais agressiva e elevou a Selic em 1 ponto percentual, de 11,25% para 12,25% ao ano.
Nesta terça-feira (28), o colegiado inicia a primeira reunião do ano e, conforme prometido pela ata da última reunião, mais alta de juros deve vir por aí. A expectativa é de um aumento de 1 ponto percentual e a Selic pode chegar a 14,25% em março, devido às pressões inflacionárias, aos efeitos do governo Trump na economia global e aos impactos do dólar.
Em relação ao dólar, a moeda norte-americana valorizou 27% em 2024 frente ao real, que foi a moeda que mais se desvalorizou no mundo ante à divisa. Neste mês, no entanto, o dólar vem caindo e atingiu, pela primeira vez desde dezembro, patamar inferior a R$ 6.
A política monetária do Banco Central, com a indicação de um novo ciclo mais longo que o antecipado anteriormente de alta da Selic, pode atrapalhar a recuperação industrial, de acordo com o Iedi. Porém, uma reversão é improvável.
“Não acredito que vá reverter, mas com certeza prejudicará. Em 2024, pela primeira vez na última década, a indústria total [transformação mais extrativa] crescerá com certo vigor sem ter se contraído no ano anterior. E será a primeira vez que a indústria de transformação crescerá de modo a compensar toda retração do ano anterior”, disse o economista do Iedi, Rafael Cagnin, à Folha.
Efeito Trump
O temor é que o diferencial de crescimento da indústria brasileira em relação à mundial possa diminuir por causa da política monetária mais apertada no Brasil e a maior turbulência no exterior provocada pelo governo Trump.
O presidente dos Estados Unidos tem começado seu novo mandato pressionando o Fed (banco central norte-americano) a reduzir juros.
Para Cagnin, o Brasil tende a não ser um alvo prioritário de aumento de tarifas sobre importações prometido por Trump, já que a balança com os EUA é deficitária em seu agregado e pouco mais da metade do que o Brasil exporta para os EUA é de manufaturados.
“Por outro lado, o aumento de alíquotas a produtos chineses tende a levar a mais uma fase de desvio de comércio para outros destinos. Isso significa maior pressão concorrencial de produtos chineses no mercado interno brasileiro, mas também em outros mercados externos importantes para a indústria brasileira”, pontuou.
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