Por Brasil de Fato
Um trabalhador safrista de colheita de uva resgatado no caso envolvendo vinícolas na serra gaúcha em fevereiro de 2023 deve ser indenizado por trabalho análogo à escravidão. A decisão do juiz Silvionei do Carmo, da 2ª Vara do Trabalho de Bento Gonçalves, publicada nesta segunda-feira (15), é a primeira sentença em processo individual ajuizado no episódio, segundo informa o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4).
Duas empresas terceirizadas e a vinícola tomadora do serviço, Cooperativa Vinícola Aurora, foram condenadas a indenizar o trabalhador em R$ 50 mil, por danos morais. Ele também deverá receber o pagamento de horas extras excedentes a oito horas diárias e/ ou 44h semanais, com incidência de adicional e reflexos em outras verbas trabalhistas.
As empresas também terão que pagar as horas faltantes para completar o intervalo entre jornadas previsto no artigo 66 da CLT, com adicional de 50%. O valor de todas essas horas será calculado na fase de liquidação do processo, após o trânsito em julgado sobre o mérito.
O safrista trabalhou na colheita da uva entre 2 e 22 de fevereiro de 2023, data em que houve o resgate das vítimas de trabalho análogo à escravidão, em operação conjunta da Polícia Rodoviária Federal (PRF), da Polícia Federal (PF) e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A sentença reconheceu que o reclamante foi efetivamente submetido a condições análogas ao trabalho escravo.
Na sentença, o juiz afirmou que “não havia as mínimas condições de conforto e higiene na Pousada do Trabalhador” e a “alimentação não era fornecida em condições e ambientes adequados”, bem como a jornada de trabalho era exaustiva. Também que “os trabalhadores trazidos da Bahia para laborar na safra da uva eram hipossuficientes, não tendo condições de custear a passagem de retorno, o que ‘os prendia’ em Bento Gonçalves, obrigando-os a laborar até o final da safra, sob pena de perderem o direito à passagem de retorno”.
CONDENADOS
No que se refere as terceirizadas, o magistrado reconheceu a existência de um grupo econômico envolvendo as duas empresas que contrataram o trabalhador. Dessa forma, ambas têm responsabilidade solidária pelos créditos ou indenizações devidos.
Em relação à vinícola, o magistrado entendeu que ficou comprovado que o safrista trabalhou em benefício da Aurora em apenas parte do contrato de trabalho — cinco dias de um total de 21. Por isso, a condenação, de forma subsidiária, ficou no montante de 25% do valor total que o trabalhador terá de receber. Na responsabilidade subsidiária, o trabalhador pode cobrar da tomadora de serviço caso não consiga o pagamento junto à empregadora, a devedora principal.
“Portanto, se a tomadora dos serviços não cumpriu com seu dever de fiscalização, concorreu para a violação dos direitos trabalhistas e dignidade do trabalhador, respondendo não apenas pela reparação dos danos de cunho eminentemente trabalhista, como também pelos danos decorrentes da violação da dignidade do reclamante, no caso, os danos morais”, decidiu o juiz.
Cabe recurso da sentença ao Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. O safrista também processou outras duas vinícolas da serra gaúcha. No entanto, não ficou comprovado que ele teria trabalhado para essas empresas.
Em nota distribuída à imprensa, a vinícola Aurora informou que vai recorrer da decisão:
“A Cooperativa Vinícola Aurora respeita a decisão da Justiça do Trabalho de Bento Gonçalves, mas irá recorrer. Isso porque, nas suas instalações, o trabalhador foi tratado com dignidade e teve todos os seus direitos respeitados, conforme destaca a própria sentença: ‘a propósito da responsabilidade subsidiária, cumpre anotar que não se verifica na prova dos autos que a Cooperativa Vinícola Aurora tenha participado diretamente das ações ou condutas que resultaram na redução do autor à condição análoga à de escravo'”.
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