Não é de hoje que os Estados Unidos usam tarifas pesadas sobre produtos importados até mesmo de países que não são considerados inimigos como a China. Contudo, esse mecanismo ganhou escala maior com o republicano Donald Trump. Segundo especialistas, ele usa essa tática como forma de conseguir o que quer. Foi o que se viu recentemente com México, Canadá e Colômbia.
O governo norte-americano sabe a importância do seu peso na balança comercial desses países. Por isso, vocifera esperando que as nações atingidas busquem uma negociação. A partir daí, ele impõe o seu desejo.
Em entrevista ao Jornal Nacional, o analista político para o mercado financeiro Terry Haines, disse que Trump ameaça os países parceiros comerciais de longa data para trazê-los mais para perto. Segundo ele, os Estados Unidos sempre usaram tarifas como arma de negociação.
Nem o Brasil escapa. Uma parte da carne exportada do Brasil para os EUA é taxada em 26,5%, percentual maior do que Trump anunciou para China (10%), e também mais do que as tarifas anunciada para México e Canadá (25%). De acordo com Haines, há décadas as tarifas aceleram o processo de trazer outro país à mesa para renegociar.
Já o professor de políticas econômicas da Universidade de Georgetown Jerry Anderson disse ao JN que Trump está transformando relações históricas com países amigos em algo puramente transacional: “se eu me benefício e você se beneficia de alguma forma, nós podemos fazer negócio. Mas se eu não conseguir uma vantagem imediatamente, aí não”.
No sábado (1º), o republicano anunciou sobretaxação a produtos importados de México, Canadá e China a partir desta terça-feira (4). Os países anunciaram que revidariam à sobretaxação, mas depois aceitaram negociar.
Na semana passada, Trump anunciou tarifas sobre a Colômbia, porque o presidente Gustavo Petro tinha se recusado a receber aviões militares com colombianos deportados. Trump reagiu. Logo depois, eles chegaram a um acordo: que a Colômbia receberia os imigrantes e as tarifas foram suspensas. Haines acredita que, dessa forma, os Estados Unidos usam seus aliados da forma mais vantajosa para o país.
Os Estados Unidos também conseguiram um acordo com o México e com o Canadá, por meio do qual concordaram em pausar por um mês a aplicação dos novos impostos, o que fez o dólar despencar ao redor do mundo, inclusive no Brasil.
Trump relatou em sua rede Truth Social, na véspera, que aceitou o adiamento depois que o Canadá se comprometeu a intensificar o combate à entrada de drogas ilegais nos EUA — um dos principais argumentos do americano para impor as tarifas. Do México, o norte-americano conseguiu o compromisso de mais fiscalização na fronteira entre os dois países para evitar a entrada irregular de imigrantes mexicanos nos EUA.
Mas isso não é tudo. Empresas norte-americanas temiam que a postura de Trump abrisse uma guerra fiscal com escala global, tendo consequente impacto em seus negócios.
Queda de braço de Trump com a China é outra história
De acordo com os especialistas, Trump precisa de amigos para enfrentar o que considera o grande inimigo do estilo de vida americano: a China. Com o gigante asiático a disputa é geopolítica.
A China tornou-se o grande celeiro da produção industrial nas últimas décadas, com tentáculos ao redor do mundo. A produção industrial chinesa é do mesmo tamanho da dos Estados Unidos, Japão e Alemanha juntos.
Trump se elegeu graças ao discurso com apelo principalmente à classe trabalhadora dos Estados Unidos que foram prejudicadas pelos avanços tecnológicos e pela forte competição chinesa, que levou ao fechamento de fábricas e fez com que cidades do interior americano virassem cidades-fantasmas.
Os americanos tiveram que se adaptar ao jeito como os chineses produzem para competir – trabalhando mais e ganhando menos.
Além disso, a China disputa crescimento tecnológico em mesmo nível com os Estados Unidos. O mundo acompanhou isso recentemente com o fenômeno chinês de Inteligência Artificial DeepSeek, que afrontou o poderio das big techs norte-americanas com um produto mais barato e tão eficiente quanto. Isso tudo mexeu com os mercados mundiais.
Em 2024, a China bateu um recorde: exportou US$ 1 trilhão a mais do que importou.
No primeiro mandato, Trump começou a impor tarifas para tentar frear o crescimento chinês. O democrata Joe Biden não retirou as tarifas e ainda aumentou algumas. Agora, o republicano voltou a dobrar a aposta, mas a China deu o troco.
Governo chinês anuncia retaliação, mas quer negociar
Nesta terça-feira, o governo de Pequim anunciou tarifas às importações de combustíveis, veículos e máquinas agrícolas dos EUA, produtos bastante estratégicos no comércio estadunidense.
O país asiático também apresentou uma reclamação à OMC (Organização Mundial do Comércio) “para defender seus direitos e interesses legítimos” contra a imposição de tarifas sobre os produtos chineses pelos Estados Unidos.
A retaliação de Pequim foi anunciada minutos após a entrada em vigor das tarifas de 10% adicionais impostas por Trump.
O Ministério das Finanças da China anunciou, em comunicado, a adoção de tarifas de 15% sobre o carvão e o gás natural liquefeito (GNL) dos Estados Unidos, e de 10% sobre o petróleo bruto, máquinas agrícolas e alguns modelos de veículos.
Segundo Pequim, a decisão de Trump “viola gravemente as regras da OMC, não faz nada para resolver seus problemas e prejudica a cooperação econômica e comercial normal entre China e Estados Unidos”.
Apesar da retaliação, o governo chinês está aberto a conversar, conforme Wang Huiyao, ex-conselheiro econômico do Conselho de Estado, o ministério chinês, disse à Folha de S.Paulo nesta terça-feira.
Wang, que foi professor das universidades de Pequim e Tsinghua e hoje preside o think tank Centro para China e Globalização (CCG), disse à Folha acreditar que “Trump quer usar as tarifas para chamar a atenção para a mesa de negociações”. A porta-voz de Trump, Karoline Leavitt, falou na segunda-feira (3) que o presidente americano poderia conversar já nesta semana com o líder Xi Jinping, por telefone.
Enquanto a negociação não vem, os mundo acompanha com apreensão os desdobramentos dessa guerra comercial que, em um mundo globalizado, pode ter consequências desastrosas para muitos países, mas com potencial de prejuízo imenso principalmente aos norte-americanos, o que seria um tiro no pé de Trump.
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