Em doses homeopáticas, o presidente recém-empossado dos Estados Unidos, Donald Trump, vai mostrando os caminhos que seu governo deve seguir. Na véspera, o republicano disse que “vai exigir” que o Federal Reserve, o banco central estadunidense, corte os juros “imediatamente”. O republicano também baixou decreto proibindo a autoridade monetária de ter um ativo digital próprio.
A declaração ocorre a cinco dias da primeira reunião do Fed, que acontece nas próximas terça e quarta-feira (28 e 29). A expectativa de analistas é que a autoridade monetária mantenha as taxas de juros, uma vez que os últimos indicadores macroeconômicos mostram uma economia aquecida, com riscos de pressões inflacionárias.
A última vez que o Fed cortou a taxa de juros foi em dezembro, em 25 pontos-base, levando-a para a banda de 4,25% a 4,5%.
“Com os preços do petróleo caindo, exigirei que as taxas de juros caiam imediatamente, e elas também deveriam cair em todo o mundo”, defendeu Trump ontem (23), durante participação virtual no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça.
Após o comentário no fórum, ele afirmou, em evento na Casa Branca, achar que entende “muito mais sobre taxa de juros do que eles [o Fed], e acho que entendo muito mais do que aquele a cargo de tomar essa decisão”, em aparente referência ao presidente do Banco Central, Jerome Powell. Em seu primeiro mandato, Trump foi o responsável pela indicação de Powell.
A declaração de Trump explicita uma clara tentativa de interferência na política monetária, gerida de forma independente pelo Fed. Aqui no Brasil, todas as vezes que o presidente Lula (PT) fez críticas corretas sobre a alta taxa de juros (a Selic está em 12,25% ao ano, mas já esteve em patamares maiores) e a postura mais política que técnica do ex-presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, o mercado financeiro balançou. Assim como Fed, o BC também é independente.
A trajetória dos juros nos Estados Unidos se mantém em patamar elevado desde a pandemia de Covid-19, que desordenou as cadeias globais de abastecimento. Somado a isso, tem a guerra na Ucrânia, que contribui para acirrar o aumento dos preços das importações e, consequentemente, da inflação.
A maioria dos bancos centrais têm mantido juros em níveis elevados para controlar os índices inflacionários persistentes, mas, no caso específico do Fed, parece que o remédio não tem funcionado muito bem.
Na contramão do que “exige” Trump, Fed deve adotar cautela
Os membros do Fed já expressaram a necessidade de cautela na queda do juro, em razão da persistente inflação nos Estados Unidos. As propostas de Trump foram levadas em consideração nas previsões emitidas no encontro de dezembro. Baixar os juros com a inflação acima da meta de 2% pode piorar a pressão sobre os preços.
“O panorama econômico permanece muito incerto, especialmente sobre as políticas fiscal, comercial, imigratória e regulatória potenciais”, afirmou o presidente do Fed de Nova York, John Williams, na semana passada. “Assim, nossas decisões nas ações da política monetária futura seguirão embasadas na totalidade dos dados, na evolução do cenário econômico e nos riscos de atingir nossos dois mandatos”, afirmou.
Para analistas, a ameaça de Trump de impor tarifas mais pesadas de importação de produtos de parceiros comerciais dos Estados Unidos, como o Brasil, e a possível deportação de um grande número de imigrantes sem documentos, podem reacender as pressões inflacionárias.
A dúvida para o Fed seria se o aumento de preços aconteceria de uma só vez ou teria uma vigência mais longa, exigindo assim taxas de juros mais altas por mais tempo.
Moeda digital: outra investida de Trump contra o Fed
Trump também baixou decreto ontem (23) para proibir o Fed de desenvolver uma moeda digital própria, um tema sobre o qual o banco central americano nunca avançou de fato, embora tenha cogitado implementar um dólar digital.
O novo decreto proíbe “criar, emitir ou promover uma moeda digital proveniente de um banco central [CBDC, na sigla em inglês]”.
Em março passado, o presidente do Fed insistiu que o Fed ainda estava “muito longe” de um CBDC, um dólar digital do banco central.
De todo modo, o decreto de Trump busca impulsionar a promoção das criptomoedas nos Estados Unidos, com a criação de um grupo de trabalho encarregado de refletir sobre o tema para apresentar propostas ao Congresso e ao presidente, fortalecendo o setor.
Trump lançou uma criptomoeda, a $TRUMP, em 17 de janeiro, três dias antes de assumir a Presidência. A moeda chegou ao mercado com valor de US$ 7 dólares (cerca de R$ 42) e alcançou US$ 34,72 (R$ 210), com um valor de mercado total de US$ 6,94 bilhões (R$ 41,2 bilhões) às 18h25 desta quinta-feira, horário de Brasília.
Trata-se de uma “meme coin“, uma criptomoeda lançada no rastro da popularidade de uma pessoa ou de um fenômeno viral.
Petróleo cai
Os contratos futuros do petróleo Brent caíram 0,71 centavos, ou 0,9%, a 78,29 dólares por barril. O petróleo West Texas Intermediate (WTI) dos EUA caiu 0,82 dólar, ou 1,09%, a 74,62 dólares.
Os preços caíram depois que Trump anunciou que pediria à Arábia Saudita e à Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) que reduzissem o custo do petróleo durante seu discurso no Fórum Econômico Mundial.
“O pedido de Trump para baixar os preços do petróleo será naturalmente bem recebido pelos consumidores e pelas empresas, mas será recebido com cautela pelo setor de petróleo dos EUA e por outros fornecedores globais”, disse Clay Seigle, membro sênior de segurança energética do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais.
O setor de energia vem pedindo mais investimentos em projetos globais de petróleo e gás, mas a queda nos preços do petróleo pode gerar preocupações sobre a economia de novos projetos, acrescentou.
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