Por Amanda Miranda — Newsletter Passando a Limpo
Em 17º lugar no Brasil, com o Ensino Médio público avaliado em 3,8 no indicador de Educação Básica do Ministério da Educação (Ideb), o governo bolsonarista de Santa Catarina se afasta de investimentos na área. Na contramão do que o Tribunal de Contas do Estado (TCE) já alertou, a gestão Jorginho Mello (PL) tenta consolidar um programa que financia o ensino superior particular, sob o comando de um secretário que pouco antes de assumir era reitor da segunda instituição que mais recebeu recursos públicos em 2024.
Aristides Cimadon, secretário de Educação de Santa Catarina, foi reitor da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc). Hoje, a instituição tem no seu saldo R$ 48,9 milhões dos cofres públicos, obtidos via programa Universidade Gratuita, uma das bandeiras eleitorais do governador Jorginho Mello, que se comprometeu a pagar a faculdade de todos os estudantes catarinenses, ignorando até mesmo a oferta de vagas nos institutos e universidades federais e na universidade estadual, a Udesc.
“No ensino superior, eu quero ajudar o jovem catarinense a fazer a faculdade do seu sonho, não a (faculdade) que ele pode pagar. O estado vai ajudar, com o sistema Acafe, a pagar 100% do curso”, disse, ainda em 2022, em entrevista como candidato ao jornal “O Município”. O presidente da Acafe nesta época também era Cimadon.
O sistema Acafe reúne em uma sociedade civil sem fins lucrativos fundações educacionais criadas em Santa Catarina por lei dos poderes públicos estadual e municipais. São 14 universidades com diferentes estatutos, regimentos e valores de mensalidades — exceção é a Universidade do Estado de Santa Catarina, única pública e gratuita que integra o grupo.
Parte delas recebe o status de “universidade comunitária”, que teria como compromisso legal reinvestir o dinheiro das mensalidades no seu próprio funcionamento, sem margens de lucro. Apesar disso, não há mecanismos de transparência ativo para controle social. Uma mensalidade para cursar Medicina na Universidade do Extremo Sul de Santa Catarina (Unesc) chega aos R$ 8.543,92. Este ano, a mesma instituição recebeu R$39,41 milhões do governo do Estado, somente em mensalidades.
Orçamento
A priorização do investimento em ensino superior deixa as políticas públicas de Educação Básica desassistidas. Antes de assumir, Jorginho Mello também prometia investir em ensino técnico profissionalizante, mas só em fevereiro deste ano a secretaria lançou projeto na área, abrindo 10 cursos técnicos da área de Gestão e Negócios para estudantes de 2ª e 3ª série do Ensino Médio.
O ensino médio, por sua vez, com nota abaixo da meta prevista pelo Ideb, foi alvo de um corte brusco logo que Mello assumiu, reduzindo bolsas pagas a estudantes em situação de vulnerabilidade para prevenir o abandono escolar, que é o oitavo maior do país, com índice de 6,8%, conforme o último censo escolar.
O projeto Bolsa Estudante foi implementado em abril de 2022, sob o comando do ex-governador Carlos Moisés, mas 50 mil auxílios foram cortados quando Mello assumiu. Este ano, o orçamento inicial para esta rubrica era de R$ 62,5 milhões e foi atualizado para R$ 47,5 milhões.
Enquanto os cortes atingem em cheio os alunos de baixa renda, o único critério do programa Universidade Gratuita, que também não prevê ações afirmativas, é o de renda, que deve ser inferior a 8 salários mínimos per capita para cursos de medicina e 4 salários mínimos per capita para os outros cursos. Ou seja, uma família de quatro pessoas com renda de R$ 45 mil pode ter acesso ao programa.
Críticas do TCE
Logo que o programa Universidade Gratuita foi lançado, o Tribunal de Contas do Estado expôs uma série de críticas e solicitou esclarecimentos ao governo. O órgão de controle apontava risco de “desvirtuamento da prioridade constitucionalmente estabelecida para a implementação da política pública educacional pelos entes estaduais, evidenciada pelo descumprimento das metas relacionadas à educação básica no Plano Estadual de Educação, em contraste com o aumento do investimento no ensino superior”.
Conforme veiculado pela jornalista Dagmara Spautz, em junho, ao analisar as contas do governo, o TCE também reiterou a crítica, destacando que os investimentos no ensino superior podem acarretar distorções na atuação prioritária atribuída pela Constituição Federal aos Estados. Ainda, destacou-se que o governo não cumpriu alguns compromissos do Plano Estadual de Educação e que estas deveriam ser prioritárias, tais como o aumento nas matrículas no Ensino Médio Técnico.
O puxão de orelha não fez parte do relatório, já que as contas do programa só serão auditadas no próximo balanço, mas foi um sinal de que há problemas e questões mal vistas pelo órgão de controle.
Guerra Cultural
A exemplo do que aconteceu com a gestão de Jair Bolsonaro, a educação de SC é regida tendo como pano de fundo a chamada “guerra cultural”, um dos motes de Olavo de Carvalho, ídolo da extrema direita. Carvalho usava o pensador Antonio Gramsci como alvo de sua crítica ao marxismo e a partir dele buscava combater “inimigos”.
Neste campo de batalha, a educação ganha terreno com movimentos como o Escola sem Partido, que busca garantir uma ideia de “neutralidade” aos processos pedagógicos sem explicar como se defende uma ideia assumindo uma postura neutra.
Em Santa Catarina, movimentos típicos da guerra cultural bolsonarista se espalham na educação, que no primeiro ano de Mello acumulou cortes da ordem de R$ 600 milhões. Até o momento, o principal programa do governo é o pagamento integral de mensalidades a universidades particulares. A universidade pública Udesc, no entanto, tem orçamento para investimentos em 2024 estimado em R$ 138,8 milhões, inferior ao que se pagou só no primeiro semestre a três instituições de ensino que cobram mensalidades.
A perseguição informal a professores lideradas pelo esquadrão bolsonarista na Câmara Federal e na Assembleia Legislativa também é acompanhada de operações formais na guerra cultural travada pelo governo bolsonarista de SC na educação. Formalmente o Estado já impôs processo administrativo a uma professora que lecionava sobre fake news. A professora, afastada, retornou à vida escolar esta semana.
Em contrapartida, recentemente o governo pediu e a Assembleia Legislativa do Estado aprovou a anistia a professores que não se vacinaram até hoje contra a Covid-19. Outra recente notícia que gerou debates sobre a concepção de magistério para os bolsonaristas foi uma briga do governo, na justiça, para realizar um concurso público para a contratação de professores sem políticas afirmativas.
A 3ª Vara da Fazenda Pública da Capital de Santa Catarina suspendeu o edital do concurso a pedido da Defensoria Pública do Estado. Após a procuradoria geral do Estado dizer que adotaria as providências cabíveis, o edital foi retificado, mas derrubado novamente por nova manifestação judicial que alegava que a lei de reserva de vagas não existe em SC.
No comunicado oficial, a organizadora do concurso, que também recebe verbas do Universidade Gratuita, retificou novamente o edital suprimindo a reserva de 20% das vagas oferecidas às pessoas pretas, pardas, indígenas e quilombolas.
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