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Valdemar Figueredo (Dema)

Idealizador e coordenador desde 2017 do Observatório da Cena Política Evangélica pelo Instituto Mosaico (www.institutomosaico.com.br). Pós-doutorando em sociologia pela USP. Doutor em ciência política (antigo IUPERJ, atual IESP-UERJ) e em teologia (PUC-RJ). Pastor da Igreja Batista do Leme e da Igreja Batista da Esperança, ambas na cidade do Rio de Janeiro.

Colunistas ICL

O que esperar da esquerda num país pautado pela extrema direita reacionária?

A esquerda deve recuperar as relações orgânicas com as bases populares
17/10/2024 | 05h01

Não é suficiente definir constitucionalmente os direitos políticos. Eles são ou não exercidos pelos indivíduos. Se são desempenhados, não o são na mesma medida por todos.

Seria um reducionismo verificar as “ofertas” de bens políticos e usá-las como critério para qualificar os direitos como avançados ou atrasados. A existência de direitos políticos não elimina, necessariamente, os traços oligárquicos de certa sociedade.

Fazer uma auditoria democrática é mais do que leitura constitucional. É também verificar os diferentes níveis de participação e interessar-se pelas estruturas incrustadas que podem não ceder, mesmo na vigência de uma legislação que assegura direitos.

O sociólogo português Manuel Villaverde Cabral afirma que uma coisa é o regime democrático português sob o ponto de vista constitucional, outra bem distinta é como a cidadania é exercida no Estado. Pensando nos direitos políticos, existem direitos assegurados pela constituição, mas há também um índice de distância ao poder. [1]

Podemos perceber a tensão do já e ainda não aplicada à democracia em diferentes contextos históricos. O que Cabral descreve da cultura política portuguesa é facilmente perceptível no Brasil.

A Constituição Cidadã de 1988 não resolveu todos os nossos problemas de distância ao poder. O nosso déficit de cidadania persiste.

Nossa democracia se assenta em oligarquias, caciquismos, milícias, coronelismos, e agora, robôs. Na prática, as desigualdades de participação são notórias.

Intervalos democráticos

Quando projetamos o olhar para o futuro, tendo por base a história, podemos ficar otimistas pelos avanços, bem como bastante preocupados com os retrocessos da democracia.

Na história da antiguidade clássica deparamo-nos com a concepção da naturalidade bélica. Isto é, a paz era apenas um intervalo entre as guerras. Dito doutro modo, a história é caracterizada por guerras com pequenos intervalos de paz.

Plagiando o provérbio em latim SI VIS PACEM PARA BELLUM (se queres a paz, prepare-se para guerra), diria que a história do Brasil é marcada pelo autoritarismo oligárquico com pequenos intervalos democráticos.

Vamos cometer erros novos

Os brilhantes cientistas sociais, Luiz Eduardo Soares (70 anos) e Rubem César Fernandes (81 anos), foram entrevistados juntos recentemente. [2]

O que esperar do papo destes dois intelectuais orgânicos tão atuantes na cena pública brasileira? Além da condição de analistas sociais, cada a um a seu modo, atua na vida pública no sentido de mudar realidades e apresentar soluções.

Trajetórias marcadas por pensamentos inovadores e originais, seja no período da redemocratização brasileira a partir da década de 1980 ou durante as ondas reacionárias do refluxo democrático dos dias atuais.

A entrevista ficou mais interessante quando o futuro entrou na pauta. O que esperar dos progressistas de esquerda num país dominado pela extrema direita reacionária?

Luiz Eduardo Soares: Na nossa trajetória de muitas realizações, muitos foram os erros. Agora, vamos tentar cometer erros novos. Já passamos por tantos descaminhos, não é possível repetir os mesmos erros.

Rubem César Fernandes: A coerência, realmente, não é um valor importante. A inconsistência faz parte da vida das pessoas de ação, permitir-se errar. Para conservar a coerência muitos se acovardam. Não nos tornemos reféns da nossa própria história.

A inquietação precisa nos levar a uma estética nova, a um discurso em diálogo com a cultura, a coragem para assumir o risco do experimental e a santa loucura de não se amoldar as convenções.

A esquerda dogmática é conservadora, além de chata.

Carecemos da construção em movimento de coletivos que se pretendam propositivos e não apenas reativos.

Para além dos partidos políticos, dos governos de ocasião, das representações políticas nas casas legislativas, estamos carentes de gente organizada atuando de forma original e criativa na arena pública.

Evidente que as questões indenitárias são importantes, contudo, não deveriam se converter em camisa de força. Todas as interseccionalidades possíveis e imagináveis para que as análises não sejam tacanhas e os discursos não resvalem nos pré-conceitos típicos de esquerda.

Comecemos, ainda sem saber definir o nosso ponto de partida e onde os novos passos nos levarão.

Sair do seu lugar cômodo para uma nova experiência desconhecida. Talvez, a nossa participação vai se resumir a começar. Nenhum ato heroico, apenas gestos com o potencial de gestar novas realidades.

Vamos nos permitir cometer erros novos.

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Foto: O deputado Otoni de Paula (MDB-RJ) com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em cerimônia no Palácio do Planalto (15.out.2024). A cerimônia de sanção do Dia da Música Gospel. Quem pauta ou escreve a agenda da Presidência da República?

[1] CABRAL, Manuel Villaverde. O exercício da cidadania política em perspectiva histórica (Portugal e Brasil). Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 18, n. 51, fev. 2003.

[2] Luiz Eduardo Soares e Rubem César Fernandes | Aprender Sem Fim. Entrevista por Marcus Faustini, 06/01/2024. Canal Futura. Disponível em:  https://www.youtube.com/watch?v=HnYTIcMarfc. Acesso em: 09/10/2024

 

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