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Chico Alves

Jornalista, por duas vezes ganhou o Prêmio Embratel de Jornalismo e foi menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog. Foi editor-assistente na revista ISTOÉ e editor-chefe do jornal O DIA. É co-autor do livro 'Paraíso Armado', sobre a crise na Segurança Pública no Rio, em parceria com Aziz Filho. Atualmente é editor-chefe do site ICL Notícias.

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Nova moda na esquerda: culpar os ‘identitários’ pelo fiasco nas eleições

Pautas "identitárias" abordam aspectos da injustiça social que a economia por si só não dá conta
02/11/2024 | 06h54

Os péssimos resultados das eleições municipais, em que a direita deu uma goleada em número de vereadores e prefeitos, levaram parte da esquerda a definir rapidamente o motivo da derrota. Segundo a grande maioria das postagens nas redes sociais e declarações de personagens importantes do campo progressista, a defesa do chamado “identitarismo” levou ao fiasco.

Um dos políticos que reforçou publicamente esta teoria foi o prefeito de Recife, João Campos. Reeleito com 78% dos votos, ele esteve no Roda Viva e explicou em parte sua vitória incontestável por passar ao largo dessas pautas.

Para o jovem político, “teses identitárias têm menor capacidade de resultado eleitoral” e, por isso, é importante construir um caminho que fuja dessa discussão.

Aí vão algumas das frases que João Campos soltou no programa:

“Parece muitas vezes que as pessoas estão buscando: o que é que nós divide?”

” [A pessoa] Elenca as pautas que divide e pega só elas como missão de luta”.

“O sentimento é que o povo está cansado dessa briga e de divisão. As pessoas querem buscar alguém que junte”.

Campos tem razão em pelo menos um ponto: as chamadas pautas “identitárias” não são um bom argumento para angariar votos. Afinal, ao defender que sejam reparadas injustiças contra um grupo oprimido, o candidato tem boas chances de perder apoio dos eleitores do grupo opressor (aí incluídos os opressores de esquerda).

Defender o direito dos pretos é, infelizmente, bandeira antipática para muitos eleitores brancos; lutar pelo direito da mulher é algo intragável para uma parte considerável dos machos; o mesmo para as pautas LGBTQIA+.

É correto, então, que esse tipo de injustiça seja escondida na campanha em prol da vitória nas urnas?

Até poderia ser aceitável o argumento, se fosse apenas uma dissimulação para que essas pautas fossem retomadas após a conquista eleitoral.

A fala de João Campos denota, no entanto, que o chamado “identitarismo” deve ser mesmo abandonado de vez, já que “o povo está cansado dessa briga e de divisão”.

Aí o prefeito erra feio. A sociedade já está dividida, como sabemos (e ele também sabe) entre exploradores e explorados, entre racistas e antirracistas, entre machistas e feministas… e por aí vai.

Guardadas as devidas proporções, o argumento se assemelha às aleivosias que figuras como Demétrio Magnoli lançavam contra a ideia da política de cotas raciais, por considerar que essa estratégia iria dividir a sociedade brasileira. Repetindo o óbvio: a divisão já existe, com ampla vantagem para os racistas.

Os ataques às chamadas políticas identitárias também partem daqueles que acreditam que a luta de classes resolve todas as questões populares. Não percebem que dentro das classes existem subdivisões.

Em uma favela, mesmo que as condições socioeconômicas sejam idênticas para todos os moradores, os favelados pretos sofrem mais. As mulheres sofrem mais. Os gays sofrem mais.

Mesmo quando alguns problemas sociais são resolvidos, essa subdivisão persiste. São inúmeros os relatos de pessoas que alcançaram grande sucesso profissional, passaram a ter renda satisfatória, e mesmo assim continuaram sendo discriminados por cor, gênero ou origem (os nordestinos estão neste último caso).

Os tais “identitários” citados nas críticas são, na maioria das vezes, figuras extremistas, caricatas, que distorcem certos conceitos e atraem antipatia para a causa.

O caso exemplar é a utilização canhestra do termo “lugar de fala”, que muitas vezes serviu para excluir dos debates alguém que fosse de um grupo social diferente dos excluídos — ou seja, censura ao pensamento, à livre manifestação.

Quando bem utilizado, o conceito de “lugar de fala” serve para dar voz a personagens oprimidos que nunca foram ouvidos em discussões sobre temas que duzem respeito ao seu próprio destino. Não é um “super trunfo” que confere a alguém mais razão que os outros, mas garante algo que não acontecia antes: ser ouvido com respeito e atenção.

Realmente, não faltam exageros, questões mal resolvidas, em que se gasta muita energia para pouco resultado: a linguagem neutra é uma dessas confusões.

Essa e outras diferenças entre os “identitários” e os progressistas que têm como única referência a luta de classes deveriam ser resolvidas em discussões mais maduras, menos sumárias.

A luta de classes é a base que orienta a busca pela igualdade socioeconômica. Mas as pautas “identitárias” abordam aspectos da injustiça social que a economia por si só não dá conta.

São complementares.

Por fim, em defesa do “identitarismo” é preciso lembrar que a mais importante conquista social do Brasil nos últimos tempos se deve a um movimento desse tipo. Em 12 anos, a Lei de Cotas nas universidades públicas mudou radicalmente o perfil dos alunos. Desde 2019, a maioria dos estudantes dessas instituições é negra.

Que a esquerda busque as verdadeiras causas da derrota nas eleições de 2024.

Eleger bodes expiatórios não resolverá o problema.

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