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Por Armando Holanda*
Na quarta-feira (19), o Rio de Janeiro deu um passo importante para se tornar a primeira cidade brasileira a reconhecer oficialmente as práticas das religiões de matriz africana como parte da promoção da saúde complementar no Sistema Único de Saúde (SUS). A medida, publicada no Diário Oficial, foi resultado de um esforço conjunto das Secretarias de Meio Ambiente e Clima e de Saúde.
Com isso, práticas como ebós, banhos, chás, defumações, amacis e boris passavam a ser reconhecidas como formas legítimas de cuidado e cura. No entanto, o que deveria ser um marco de inclusão e respeito às tradições religiosas do Brasil, logo se transformou em um retrocesso quando, apenas uma semana depois, a medida foi revogada.
A revogação do decreto, ocorrida nesta terça-feira (25), é um claro reflexo do poder político e religioso exercido por segmentos da bancada evangélica no país. A pressão de grupos evangélicos fundamentalistas forçou o prefeito Eduardo Paes a ceder, desrespeitando não apenas a diversidade religiosa do Brasil, mas também os princípios de um Estado laico. O retrocesso é evidente: em um momento histórico de afirmação dos direitos das religiões afro-brasileiras, uma força política que se opõe a essas práticas conseguiu impor sua visão, prejudicando toda uma população que encontra nas suas crenças formas legítimas de cuidado e cura.

Embora o país seja constitucionalmente laico, a realidade mostra que muitas vezes essa laicidade é apenas um conceito distante da prática. (Foto: Agência Brasil)
O episódio expõe mais uma vez a hipocrisia da laicidade no Brasil. Embora o país seja constitucionalmente laico, a realidade mostra que muitas vezes essa laicidade é apenas um conceito distante da prática. Quando grupos religiosos conseguem interferir nas políticas públicas, seja na educação, na saúde ou em outras áreas, o Estado se mostra, na prática, como uma extensão dos interesses religiosos. No caso específico das religiões de matriz africana, essa intervenção não apenas fere o princípio da laicidade, mas também alimenta um ciclo de racismo religioso que marginaliza e silencia culturas e crenças milenares.
É importante destacar que, além da questão religiosa, a revogação do decreto é também uma questão racial. As religiões de matriz africana, como o candomblé e a umbanda, representam uma parte significativa da cultura e da história do povo negro no Brasil. A discriminação contra essas religiões está profundamente enraizada no racismo estrutural que permeia a sociedade brasileira. Ao ceder à pressão de grupos evangélicos, o prefeito Paes valida, implicitamente, esse racismo religioso, reforçando a marginalização de tradições que são parte da identidade afro-brasileira.
A derrota dos direitos das religiões de matriz africana é também uma derrota para a sociedade como um todo. A possibilidade de integrar práticas culturais e de cura alternativas ao SUS seria um passo importante para a promoção de uma saúde mais inclusiva e plural. Contudo, ao ceder à pressão de grupos que insistem na imposição de uma única visão religiosa e cultural, o prefeito e os legisladores envolvidos promovem um retrocesso que não apenas desrespeita as diversidades de crenças, mas também ignora os avanços que poderiam ser alcançados no campo da saúde pública.
Esse episódio é um alerta sobre os perigos do avanço da intolerância religiosa e do uso do poder político para perseguir minorias.
*Armando Holanda é jornalista formado pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Pós-graduando em UX pelo CESAR SCHOOL. Vencedor do prêmio Jovem Jornalista do Instituto Vladimir Herzog de 2020.
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