Por Karla Gamba
Um ex-empregado do coronel da PM-DF Jorge Eduardo Naime, réu pelos atentados golpistas ao 8 de janeiro, registrou em cartório um depoimento no qual afirma que havia um clima de “apreensão” na casa do militar nos dias que antecederam os ataques, que a família estava preocupada com “algo que estava por vir” e que se preparavam para fugir de Brasília no dia 9 de janeiro. No depoimento, a que a coluna teve acesso com exclusividade, ele relata que ouviu da patroa, esposa do coronel, que eles fariam uma viagem para a Bahia e que não havia data de retorno.
Jorge Eduardo Naime era comandante do Departamento de Operações (DOP) da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) quando manifestantes invadiram, destruíram e depredaram prédios dos três Poderes em Brasília. Ele é um dos réus no inquérito que investiga a omissão da antiga cúpula da PMDF nos atos de 8/1 e está em liberdade provisória após passar mais de 15 meses preso.
O depoimento do ex-empregado reforça a suspeita já levantada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e pelos investigadores de que o coronel teve participação no planejamento dos ataques e iria fugir de Brasília após os ataques golpistas de 8 de janeiro.
Versão contesta falas do coronel
O relato do ex-empregado contraria o que Naime afirmou em depoimentos nas CPIs da Câmara Legislativa do DF e no Congresso, e até mesmo na Justiça.
No depoimento, que foi registrado em um cartório da capital federal em março de 2023, o ex-empregado começa seu relato dizendo que o clima de apreensão teve início nos primeiros dias do ano: “Logo na primeira semana de janeiro, na casa, havia um clima muito estranho e de muita tensão, com o Sr. Jorge [Naime] o tempo todo ao telefone”.
Em 7 de janeiro — um dia antes dos ataques golpistas — o funcionário relata que ocorria uma festa na casa e que, ainda assim, o coronel Jorge Naime e sua esposa Mariana Adôrno Naime arrumavam malas às pressas e separavam alimentos e até um micro-ondas para levar:
“(…) no sábado, dia 07 de janeiro, e enquanto estava acontecendo a festa, os adultos da família estavam arrumando às pressas, as malas e outras coisas: como alimentos e até o micro-ondas, para levar em viagem. Sem entender, pois eu não tinha sido avisado que a família ia viajar, perguntei para os filhos mais velhos da Sra. Mariana se iam viajar. O filho chamado M. falou que iam para João Pessoa e o outro filho M., falou que iam para Bahia. Em outro momento, a Sra. Mariana [Adôrno Naime] falou que iam para Bahia e que não tinham data para retorno”.
Na noite daquele mesmo dia, segundo o depoimento do ex-empregado, o irmão de Mariana Naime disse a ele e aos outros empregados para irem embora. No entanto, a patroa solicitou que ele voltasse no domingo, dia 8 de janeiro, pela manhã, para arrumar a bagunça da festa que havia acontecido na casa.
Ao chegar para trabalhar no domingo, por volta das 6h da manhã, o funcionário afirmou que quase toda a comida da despensa havia sido retirada e que recebeu ordens, inclusive do próprio coronel Naime, para que ajudasse a retirar toda a comida da geladeira.
À época, em virtude do período de posse presidencial, quando Jair Bolsonaro deixaria o cargo, o clima em Brasília era de muita tensão, com atos e ameaças de bomba. Diante disso, o comando da PMDF chegou a orientar que férias e folgas de membros da corporação fossem suspensas até o dia 9 de janeiro. Porém, diversos comandantes não estavam trabalhando no dia dos atos golpistas, seja por férias ou folga. O coronel Jorge Eduardo Naime era um deles. Ainda assim, ele foi visto na Esplanada dos Ministérios, conforme relatou o ex-comandante-geral da PM, Fábio Augusto Vieira, em depoimento à Polícia Federal (PF).
A defesa do coronel Naime foi procurada mas até o fechamento da reportagem não deu retorno.
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