ICL Notícias

Por Flávio Ferreira

(Folhapress) — A decisão do juiz eleitoral Paulo Eduardo de Almeida Sorci que determinou o fim da distribuição de um panfleto crítico à gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB-SP) traz como fundamentação uma suposta “manifestação excessiva da liberdade de expressão”, além de um precedente contraditório.

A medida judicial da 2ª Zona Eleitoral de São Paulo da última segunda-feira (3), que provocou a detenção de mulheres que faziam a entrega do material, atendeu a um pedido do MDB, partido do prefeito.

Houve ainda determinação de busca e apreensão dos impressos na sede do PT na capital paulista — esse braço da decisão, porém, acabou depois sendo revogado pelo próprio magistrado.

Os panfletos têm a forma de jornais tabloides e trazem reproduções e informações de reportagens de diferentes veículos de imprensa, como Folha, UOL, TV Globo, G1 e Poder360.

O impresso mostra, por exemplo, reportagem da Folha de março segundo a qual obras emergenciais da gestão de Nunes recém-entregues já apresentavam problemas como rachaduras e acumulavam reclamações por parte de moradores.

Na decisão, o juiz reconhece que os panfletos não veicularam fake news.

“Pelo conjunto das informações juntadas aos autos, ressalto que não foi verificada a divulgação de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados, tendo em vista que foram recortadas várias manchetes de diversos veículos jornalísticos e esses recortes foram acrescidos de comentários que, claramente, são de responsabilidade do editor do panfleto”, escreveu o magistrado.

Porém, no parágrafo seguinte, o juiz eleitoral afirmou que, “em contraponto, por mais que o gestor público esteja sujeito a críticas dos acontecimentos em seu governo, observo o conjunto do panfleto como uma manifestação excessiva da liberdade de expressão, configurando, assim, a presença do ‘fumus boni iuris’ [expressão em latim que quer dizer fumaça do bom direito]”.

Sorci não explica na decisão o que seria uma “manifestação excessiva da liberdade de expressão”.

Esse argumento também não consta na petição inicial do MDB que pediu o fim da entrega dos impressos, que tem como base a alegação de propaganda eleitoral antecipada e manipulação ilegal do material jornalístico.

Boulos e Nunes

Decisão de juiz eleitoral serve como apoio a Nunes, principal adversário de Guilherme Boulos na corrida eleitoral à prefeitura de São Paulo. Fotos: reproduções

Ao relatar a medida, o magistrado invoca como precedente uma decisão do ano passado do Tribunal Regional Eleitoral do Pará (TRE-PA) que, todavia, trata de um caso de fake news, o que ele mesmo admitiu não estar presente na situação dos panfletos distribuídos na capital paulista.

Um trecho da decisão do TRE-PA grifado por Sorci traz o argumento de que “a liberdade de expressão é garantia constitucional para os embates políticos da cultura eleitoral e democrática, contudo, não é absoluta e lhes são desautorizados os excessos tendentes a dilapidar a imagem social de outro candidato com informações caluniosas, difamatórias ou injuriosas”.

Em sua decisão, porém, Sorci não menciona a ocorrência de quaisquer situações de calúnia, difamação ou injúria. No entendimento do juiz, o panfleto com tiragem de 100 mil exemplares e “data incerta de abril de 2024”, poderia desequilibrar a eleição e, por isso, era necessário determinar a imediata suspensão da sua distribuição.

Segundo a decisão, o material tem “potencial de influenciar a população” e pode “macular a paridade entre os possíveis candidatos ao pleito vindouro, especialmente porque, além da extemporaneidade do ato de campanha, foi produzido em grande quantidade por partido de relevância nacional”.

O caso levou à detenção de cinco mulheres que distribuíam os panfletos na estação da CPTM de São Miguel Paulista (zona leste) e o encaminhamento delas ao 63º distrito policial de São Paulo na manhã de quarta-feira (5).

A Secretaria estadual da Segurança Pública disse, em nota, que elas prestaram depoimento e foram liberadas. O caso foi encaminhado para o 22º Distrito Policial (São Miguel Paulista), que investigará o caso em inquérito policial, segundo a pasta.

Especialistas em direito eleitoral criticam juiz

Para o professor de direito eleitoral Volgane Carvalho, da Unifor (Universidade de Fortaleza), “a ideia de excesso de liberdade de expressão está associada de modo inseparável à difusão de desinformação, principalmente a dados descontextualizados, ou seja, a uma informação que possui vieses e, não raro, se vale de má-fé”.

“Neste caso, o julgador reconhece que não há nada disso, logo, não há medida a ser adotada pela Justiça Eleitoral. O papel do julgador deve ser o mais discreto possível e as intervenções cirúrgicas e pontuais, sob pena de acabar intervindo indevidamente no livre mercado de opiniões políticas e na marcha natural do pleito”, completou.

Segundo Isabela Damasceno, presidente da comissão de Direito Eleitoral da OAB-MG, a decisão de Sorci é “excessiva e desproporcional, considerando que no caso concreto os panfletos são apenas uma organização de matérias jornalísticas já publicadas e veiculadas para a população”.

“Para tomar medidas tão rígidas é necessário haver indícios fortes da existência de um possível crime ou de grande impacto pelo conteúdo. A meu ver, os panfletos não apresentam tais características”, disse a advogada.

Gabriela Rollemberg, advogada especialista em direito eleitoral, cientista política e membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Público), afirmou à Folha que nunca ouviu falar do argumento de “manifestação excessiva da liberdade de expressão”.

A advogada preferiu não se manifestar sobre o caso específico dos panfletos, mas lembrou que “as críticas severas são possíveis numa democracia, o que você não pode ter são mentiras ou antecipação de campanha”.

A Folha procurou o juiz Paulo Sorci por meio da assessoria de imprensa do TRE-SP, mas ele preferiu não se manifestar

 

Leia também

Vereador aliado de Ricardo Nunes faz uso político em creches de kit escovação doado por empresa

Bolsonaro não abre mão de coronel da Rota para vice de Nunes em SP

Deixe um comentário

Mais Lidas

Assine nossa newsletter
Receba nossos informativos diretamente em seu e-mail