Juliana Dal Piva e Igor Mello
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) acessou um cofre que mantinha com o irmão Carlos Bolsonaro (PL-RJ) em uma agência bancária do Banco do Brasil (BB), no Rio de Janeiro, um dia antes de pagar R$ 638 mil em dinheiro vivo na aquisição de dois apartamentos em 2012. Os dados foram descobertos pela coluna a partir de um cruzamento de informações das investigações que apuram peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa dentro do gabinete do vereador e também de todas as informações levantadas no procedimento que apurou os mesmos crimes no antigo gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio).
Os registros de acesso ao cofre constam em um relatório elaborado pelo Laboratório de Combate à Lavagem de Dinheiro e Corrupção do MP-RJ, obtido pela coluna com exclusividade, no âmbito da investigação do esquema de rachadinha no gabinete de Carlos. Nos documentos, o MP relata que outra pessoa alugou o cofre junto com o vereador, em 2004, mas tarja todos os dados para não identificar o outro titular. Pelas decisões recentes no Judiciário, Flávio não pode ser investigado na primeira instância como Carlos.
Contudo, a coluna investigou os dados na última semana e confirmou que o sócio de Carlos no cofre era seu irmão Flávio Bolsonaro, deputado estadual à época. Procurado pela coluna, o senador respondeu, por nota, que foi titular do cofre e disse que guardava “ítens pessoais” sem detalhar que objetos seriam esses. Negou relação de suas idas ao cofre com o dinheiro vivo usado para pagamentos. (Veja a nota completa no final)
A existência de um cofre em nome de Flávio Bolsonaro não havia sido descoberta nem mesmo pelos promotores que conduziram a investigação sobre seu esquema de rachadinha no MP-RJ. Até então, acreditava-se que a tarefa de fazer o fluxo de dinheiro vivo oriundo do esquema ficava a cargo exclusivamente do ex-assessor Fabrício Queiroz, pivô do escândalo no gabinete de Flávio. O senador, porém, admitiu que guardaria dinheiro casa, cerca de R$ 30 mil.
Os registros dos acessos ao cofre tarjam também a maioria das datas de acesso de Flávio ao espaço, localizado em uma agência do Banco do Brasil. No entanto, algumas não estavam tarjadas no documento e permitiram descobrir os acessos do agora senador em datas próximas a suas aquisições de apartamentos em 2012.
Na quarta-feira (3), a coluna revelou que Carlos Bolsonaro também esteve no cofre horas antes de adquirir um apartamento em Copacabana por R$70 mil.
Flávio Bolsonaro comprou imóveis em Copacabana
De todas as aquisições de imóveis com uso de dinheiro vivo feitas pelo senador Flávio Bolsonaro, o maior montante descoberto durante as investigações do MP-RJ ocorreu em 27 de novembro de 2012. Nesse dia, ele registrou em cartório a compra de duas quitinetes em Copacabana. A negociação foi feita com o americano Glenn Howard Dillard, que atuava como procurador dos proprietários na negociação.
A data, 27 de novembro, é crucial na história do senador Flávio Bolsonaro. No dia anterior à finalização do negócio, ele foi ao cofre do BB no centro do Rio. Flávio chegou às 10h25min e ficou no local até às 10h43. Mas esse detalhe o filho mais velho do ex-presidente Jair Bolsonaro nunca relatou às autoridades. A descoberta foi realizada pela coluna com o cruzamento de dados das investigações sobre a família Bolsonaro.
No cartório, Flávio registrou a seguinte história na escritura: o pagamento das quitinetes teria ocorrido em duas etapas. Primeiro, foi feito o pagamento de um sinal de R$ 100 mil por meio de dois cheques no dia 6 de novembro de 2012.
Já no dia 27 de novembro de 2012, foram entregues mais dois cheques, que somaram R$ 210 mil, para, em teoria, totalizar a venda no momento da assinatura da escritura, que foi lavrada em um cartório no Centro do Rio. Ao todo, o valor declarado pela compra dos imóveis foi de R$ 310 mil.
Ao obter a quebra de sigilo bancária de Flávio Bolsonaro, em 2019, a promotoria descobriu que, no mesmo dia da concretização do negócio, o vendedor também esteve em um banco HSBC, também no Centro do Rio, no qual depositou, ao mesmo tempo, os cheques recebidos de Flávio e de sua mulher Fernanda e, ainda, outros R$ 638,4 mil em dinheiro vivo.
Os investigadores relataram nos autos que o vendedor não fez outras transações imobiliárias naquele semestre. Entre novembro de 2013 e fevereiro de 2014, Flávio revendeu os imóveis com um lucro de mais de R$ 800 mil. No início de 2014, o BB registrou novos acessos de Flávio ao cofre.
Flávio, Fernanda e Dillard foram denunciados pelo MP-RJ por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Flávio foi acusado de um desvio de R$ 6 milhões. Para o MP, o caso dos imóveis de 2012, é um claro exemplo de lavagem do dinheiro obtido ilegalmente com a chamada “rachadinha”.
No entanto, os dados das quebras de sigilo foram anulados por uma decisão do STJ que cassou a autorização que tinha sido dada pelo TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio). A investigação segue sob responsabilidade da Procuradoria-Geral de Justiça do Rio e é mantida em sigilo.
Nota do senador Flávio Bolsonaro
“Mantive um cofre no Banco do Brasil por razões de segurança. Durante algum tempo, ele guardou itens pessoais e, posteriormente, deixou de ser necessário. Os pagamentos mencionados pela repórter não têm qualquer ligação com o cofre e estão registrados no cartório de imóveis”.
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