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Eliana Alves Cruz

Eliana Alves Cruz é carioca, escritora, roteirista e jornalista. Foi a ganhadora do Prêmio Jabuti 2022 na categoria Contos, pelo livro “A vestida”. É autora dos também premiados romances Água de barrela, O crime do cais do Valongo; Nada digo de ti, que em ti não veja; e Solitária. Tem ainda dois livros infantis e está em cerca de 20 antologias. Foi colunista do The Intercept Brasil, UOL e atuou como chefe de imprensa da Confederação Brasileira de Natação.

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O fracasso de um país que se acostumou com a escravidão

Jornada 6x1 e família não cabem na mesma frase
14/11/2024 | 05h00

Senhores e senhoras de gente escravizada tinham (e, todavia, têm!) métodos para manter seres humanos subjugados: Torturar, desumanizar, exigir e, em momentos chaves, dar aquele alívio vigiado. O trabalho exaustivo é justificado como agradável a Deus (“Deus ajuda a quem cedo madruga”), como única via possível para a dignidade (“O trabalho dignifica o homem”) e a libertação (“O trabalho liberta”). O tempo, esse bem preciosíssimo para vidas humanas tão breves, foi traduzido como dinheiro. E assim iam-se e vão-se os dias, os anos, as décadas e a vida. “Tempo é dinheiro” … será?

Fomos eficientes em transformar o trabalho em um vício que não dá prazer, mas do qual ninguém se livra. Algo doentio e impossível de escapar mesmo nas ínfimas horas de repouso (“Enquanto descansa, carregue pedras”), mas paradoxalmente tentamos juntar a noção de família, aquela em que responsáveis adultos cuidam de crianças, a esta em que estes mesmo adultos são acorrentados e mutilados pelo trabalho que lhes sustenta.

Um modelo que sobrecarrega as escolas, que passam a cumprir papéis que caberiam às famílias; sobrecarrega familiares mais velhos, que se veem obrigados a cuidar de netos, sobrinhos, etc.; sobrecarrega o sistema de saúde, os transportes, empurra para informalidade, pesa, estrangula e emperra um país inteiro no atraso colonial e nos modelos com perfume escravocrata. Um molde que faz prosperar apenas alguns empregadores, aqueles que seriam prósperos de qualquer maneira porque já saíram com vantagens na corrida com obstáculos da existência.

Minha família foi escravizada por outra que militou até às vésperas da abolição para que ela não ocorresse. Donos de um naco enorme do Recôncavo da Bahia, amigos pessoais dos imperadores, intrincados em casamentos entre eles por laços de sangue e terras, achavam que a abolição seria a ruína do quê? Da economia! A abolição, o décimo terceiro, as férias remuneradas, a licença maternidade… QUALQUER coisa que traga vida de verdade às vidas que, de acordo com esta lógica, nasceram para servir alegam que irá arruinar a economia que jamais se arruína para eles e elas, os da tal classe dominante.

Já deveríamos estar a esta altura do relógio da humanidade pensando em como as máquinas poderiam nos liberar para finalmente respirar aliviados do fardo dos trabalhos extenuantes, brutalizados, desumanos… mas estamos com medo delas, que parecem ávidas por nos roubar a criatividade e o sopro de alegria até de fazer arte, empurrando a humanidade cada vez mais para o fosso da grotesca existência para trabalhar sem tréguas e apenas isto.

Jornada 6×1 e família na mesma frase não concorda em número, em gênero e nem em grau quando este grupo familiar é de um trabalhador. Jornada 6×1 é o pavimento do caos e da desigualdade de uma sociedade que naturalizou a exploração.

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