Por Cleber Lourenço
As principais divergências do ministro Luiz Fux com os demais integrantes do Supremo Tribunal Federal marcaram a sessão que recebeu, por unanimidade, a denúncia da Procuradoria-Geral da República contra Jair Bolsonaro e aliados por tentativa de golpe de Estado. Embora tenha votado com a maioria, Fux se isolou em críticas técnicas que o colocam no centro das atenções dentro e fora do Supremo.
Durante a leitura de seu voto, Fux levantou dúvidas sobre a estrutura penal aplicada na denúncia e sobre a atuação do STF no caso. O ponto central de sua divergência foi a tipificação da tentativa de golpe como crime consumado, conforme previsto na Lei nº 14.197/2021, que substituiu a antiga Lei de Segurança Nacional. O ministro afirmou que, em outro momento histórico, esse enquadramento jamais seria admitido e que a nova redação representa um potencial “arranhão” à Constituição por não distinguir claramente atos preparatórios, tentativa e consumação.
Voto de Fux provocou reações
A crítica foi respondida de forma enfática por Flávio Dino, que defendeu a constitucionalidade da norma e o acerto do legislador ao prever o crime de tentativa como autônomo. Dino lembrou que a própria lei foi sancionada por Jair Bolsonaro em 2021 e que sua aplicação visa justamente impedir que uma tentativa de ruptura democrática chegue à consumação.
Cármen Lúcia também reagiu, ainda que sem mencionar diretamente Fux. Em seu voto, traçou paralelos históricos com o processo de desmonte democrático que antecedeu o golpe de 1964. A ministra destacou que um golpe não se consolida em um único ato, mas se estrutura gradualmente. Segundo ela, a denúncia apresentada pela PGR é compatível com essa lógica, pois descreve um processo articulado desde o período pré-eleitoral até os atos de 8 de janeiro.
Outro ponto sensível levantado por Fux foi o uso da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. O ministro demonstrou ceticismo quanto à consistência das informações fornecidas por Cid, especialmente diante de alterações em seus relatos ao longo do tempo. A maioria da Corte, no entanto, reforçou que a denúncia não se apoia exclusivamente na colaboração, mas em provas autônomas colhidas em inquéritos da Polícia Federal — argumento central do voto do relator Alexandre de Moraes.
Fux também foi o único ministro a expressar dúvidas sobre a competência do STF para julgar o caso, argumentando que, como os denunciados não detêm mais foro privilegiado, o processo deveria tramitar na primeira instância. Essa linha não foi acompanhada por nenhum outro membro da Primeira Turma.
Durante a mesma sessão, Moraes voltou a defender a robustez da acusação, afirmando que a denúncia cumpre integralmente os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal e que há “indícios razoáveis de autoria” e materialidade suficientes para o prosseguimento da ação. Sem mencionar Fux, o relator ressaltou que a análise de mérito caberá à fase de instrução, onde a defesa poderá contestar ponto a ponto as acusações.

Luiz Fux passou a ser considerado um voto potencialmente modulador.
Com isso, Luiz Fux passou a ser considerado um voto potencialmente modulador. Ainda que tenha votado pela admissibilidade da denúncia, sinalizou que poderá divergir em relação à tipificação jurídica, à abrangência da imputação penal e até mesmo à aplicação de penas nos moldes defendidos pelo relator. O julgamento do mérito, previsto para o segundo semestre, deverá testar a coesão interna da Corte — com atenção especial ao posicionamento final de Fux.
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