O governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) vai passar a usar o ChatGPT, ferramenta de Inteligência Artificial, para produzir as aulas digitais usadas pelos professores de todas as escolas da rede estadual paulista.
Até então, o material didático era produzido por professores curriculistas, ou seja, especialistas na elaboração desse tipo de conteúdo. Agora, esses docentes terão apenas a função de “avaliar a aula gerada [pela Inteligência Artificial] e realizar os ajustes necessários para que ela se adeque aos padrões pedagógicos”.
A Folha teve acesso a um documento enviado aos professores com as novas orientações para a produção do material do 3º bimestre deste ano. O texto explica que a ferramenta de Inteligência Artificial vai gerar a “primeira versão da aula com base nos temas pré-definidos e referências concedidas pela secretaria”.
Os professores depois serão responsáveis por editar o material e encaminhar para uma equipe interna da secretaria, que fará a revisão final de aspectos linguísticos e formatação.
Em nota, a Secretaria de Educação confirmou que planeja testar o uso de Inteligência Artificial para produzir as aulas digitais do terceiro bimestre dos anos finais do ensino fundamental (do 6º ao 9º ano) e do ensino médio. Segundo a pasta, a ferramenta será usada para melhorar o que foi elaborado anteriormente pelos professores.
Ainda segundo a secretaria, o ChatGPT será configurado para gerar as aulas, usando como referência o que foi produzido pela equipe nos últimos meses, além do material didático de outros autores.
Renato Feder prefere ChatGPT a professores
A decisão de usar o Chat GPT foi do próprio secretário de Educação, o empresário Renato Feder. A ideia de Feder, mais uma sem consultar docentes, seria agilizar a produção do material didático usado pelos 3,5 milhões de alunos da rede estadual paulista.
Até o segundo bimestre deste ano, os professores tinham que entregar quatro aulas por semana. Com o uso da ferramenta, raciocinou o secretário, eles passam a ter que entregar três aulas a cada dois dias úteis — ou seja, pelo menos seis por semana.
As aulas digitais passaram a ser produzidas e distribuídas para as escolas no ano passado. Elas são a principal aposta de Feder para melhorar os indicadores educacionais de São Paulo — a estratégia é a mesma que ele usou quando era secretário do Paraná.
Mas essa não é a primeira vez que Feder toma decisões absurdas. Após o governo paulista decidir usar material 100% digital nas salas de aula, abandonar o Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) e comprar livros digitais sem licitação, Tarcísio foi alvo de críticas, e Feder teve de recuar de todas as medidas.
Tudo isso enquanto ele está na mira do Ministério Público em duas frentes: por possível conflito de interesse em contratos do estado com a empresa da qual é sócio; e pela decisão de não aderir ao PNLD.
Feder é acionista da Dragon Gem LLC, uma offshore dona de 28,16% das ações da Multilaser. A empresa de tecnologia tem contratos firmados com a gestão estadual. Um deles foi assinado em dezembro de 2022 com a própria secretaria que Feder assumiria dias depois, quando ele já havia sido anunciado como próximo chefe da pasta. O valor total chega a R$ 200 milhões.
Há pelo menos outros três contratos feitos com outras pastas, como revelado pelo jornal O Estado de São Paulo: Instituto de Assistência Médica do Servidor Público Estadual (Iamspe), Hospital Regional de Ferraz de Vasconcelos e a Universidade Estadual de São Paulo (Unesp). Juntos somam R$ 243 mil.
O secretário defende que o material produzido sob sua orientação é mais adequado para orientar as aulas, já que prioriza os conteúdos cobrados em avaliações nacionais, como o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica).
Embora tenha desistido de sua proposta de não aderir ao programa nacional para continuar recebendo os livros impressos, o secretário manteve a produção e envio de slides para serem usados nas aulas.
Especialistas e professores encontraram diversos tipos de erros no material distribuído pelo governo Tarcísio — acostumado a dizer absurdos como “os professores de São Paulo não têm o melhor salário, mas têm muito amor”. Foram identificados erros gramaticais e conceituais, além de atividades em desacordo com o que deveria ser ensinado para cada série.
Uma das aulas, por exemplo, dizia que a Lei Áurea, de 1888, foi assinada por dom Pedro 2º e que a capital paulista possui praias.
Em nota, a Secretaria de Educação disse que o processo de fluxo editorial com o uso do ChatGPT “ainda será testado e passará por todas as etapas de validação para que seja avaliada a possível implementação.”
Apesar de afirmar que o processo ainda está em teste, os professores curriculistas já receberam as orientações sobre como devem trabalhar nas próximas semanas.
Segundo a pasta, a ferramenta vai aprimorar as aulas produzidas anteriormente pelos docentes. “Com a inserção de novas propostas de atividades, exemplos de aplicação prática do conhecimento e informações adicionais que enriqueçam as explicações de conceitos-chave de cada aula.”
“Na sequência, esse conteúdo será avaliado e editado por professores curriculistas em duas etapas diferentes, além de passar por revisão de direitos autorais e intervenções de design. Por fim, se essa aula estiver de acordo com os padrões pedagógicos, será disponibilizada como versão atualizada das aulas feitas em 2023”, diz a nota.
Ainda segundo a secretaria, a equipe de produção dos materiais conta com 90 professores curriculistas.
Com Folhapress
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