“Em dia de sábado, passou Jesus pelas searas. Ora, estando os seus discípulos com fome, entraram a colher espigas e a comer.” (Mateus 12.1)
Quando o debate principal da igreja versa sobre o lícito e o ilícito, é porque a expressão cristã se degenerou.
O papa Francisco não ficará marcado por bulas ou concílios teológicos/doutrinários. A simplicidade dele me chamou mais atenção do que as roupagens do Santo Padre que vestiu. Os gestos prosaicos do papa, espontâneos e risonhos, me tocaram mais que os ritos ministrados por ele na condição de Bispo de Roma.
Jesus andava pelos campos no sábado com os seus discípulos. Sentiram fome. Colheram espigas de milho e comeram. Porque era sábado, o que fizeram não era lícito. Jesus transgrediu conscientemente as regras religiosas, as tradições, os costumes, a lei.
O mestre cita a seu favor a “jurisprudência” do caso de Davi, que, em fuga, com fome, entrou no templo com os seus companheiros e comeram os pães oferecidos a Deus. O pão sagrado, posto à mesa do templo como oferenda a Deus, foi comido por Davi e seus companheiros de fuga. Transgrediu a Lei conscientemente (I Samuel 21.1-9).
Com um gesto Jesus interpreta o texto: Misericórdia quero e não sacrifícios!
Os vigilantes religiosos usam regras e costumes para julgar os outros. O critério de Jesus continua sendo a misericórdia. E deixa uma pergunta para a reflexão: “É lícito no sábado fazer o bem?”
Os três monges de Tolstói
O escritor russo fez uma distinção entre religiosidade e espiritualidade por meio de um conto. A espiritualidade simples é cheia de misericórdia, enquanto a religiosidade institucional tende a impessoalidade.
Três monges russos viviam isolados numa ilhota em estado meditativo e contemplativo. O lugar não era frequentado, mas nos arredores existia a reverência pelo espaço sagrado. Muitos construíam estórias sobre os três misteriosos habitantes da ilha. Pescadores alimentavam versões fantasiosas e cheias de mistérios.
Curioso, o bispo pediu ao capitão para visitar a ilhota, mesmo sabendo que atrasaria a viagem. Na convivência de um dia inteiro, o bispo constatou que os eremitas em penitência tinham um conhecimento raso da Bíblia, sequer conheciam a Oração do Pai Nosso ou as sutilezas sobre a trindade.
— Como vocês rezam?
— Rezamos assim: Vós sois três, nós somos três, tende piedade de nós.
Na condição de autoridade espiritual se prestou a ensinar ao menos o Pai Nosso. Quando os homens pareciam ter finalmente decorado a oração, o bispo se deu por satisfeito, entrou no barco que o levou ao navio ancorado à sua espera.
O navio zarpou, movimentava-se veloz em mar aberto. Os tripulantes foram surpreendidos. Os três eremitas andando sobre as águas seguiam a embarcação, para o assombro do bispo, do timoneiro e demais marítimos. O vulto foi chegando mais perto. De fato, eram os três eremitas. Gritaram:
“Servo de Deus, nós esquecemos! Esquecemos a oração que nos ensinou!”
Vencida a perplexidade e o assombro, o bispo fez o sinal da cruz e enternecido os abençoou:
“Santos eremitas, a sua oração também chega a Deus e não sou eu que devo ensiná-los!”
Emblemático o primeiro gesto de Francisco como Papa
O cardeal jesuíta Jorge Mario Bergoglio, no seu primeiro pronunciamento na sacada da Basílica de São Pedro, na condição de Papa Francisco, em 13 de março de 2013, disse:
“Antes que o bispo abençoe o povo, eu peço que vocês rezem ao Senhor para que me abençoe. A oração do povo pedindo a bênção pelo seu bispo. Façamos em silêncio esta oração de vocês sobre mim”.
O Papa inclinou-se para receber a oração.
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