Por Amanda Miranda — Newsletter Passando a Limpo
Uma sequência de contratos sem licitação, no formato de parcerias, está sob escrutínio em Santa Catarina desde que governo de SC tentou formalizar investimento de mais de meio bilhão de reais com empresa de telemedicina do Piauí. Outro contrato, para o fornecimento de tecnologia de vigilância escolar, também foi exposto pelo mesmo motivo: valor global de quase um bilhão, além da ausência de processo licitatório e vínculo com o Centro de Informática e Automação do Estado de Santa Catarina (Ciasc).
A empresa Arc Comércio, Construção e Administração de Serviços obteve, em setembro, autorização para efetuar testes do Sistema de Segurança nas Escolas em uma escola da rede estadual, em Florianópolis. Pouco menos de um mês antes, o Ciasc a homologava, no Diário Oficial, como parceira na “viabilização de uma plataforma de segurança para supervisão e operação em missão crítica”.
No escopo de trabalho estaria até mesmo um sistema de comunicação crítica, em que um servidor “‘do front (sic) possa se comunicar eficazmente em situações de emergência ou eventos adversos”. Este serviço seria composto por sistemas de intercomunicação, alertas de emergência, notificações em massa e comunicações de evacuação, “garantindo a segurança da população”, como previa a chamada realizada pela Ciasc.
Ainda, o sistema deve ser capaz de se comunicar com as plataformas de comunicação e missão crítica já instaladas no estado. A chamada foi elaborada em novembro de 2023, mesmo ano em que o estado registrou um ataque a uma creche de Blumenau, com quatro mortes, e o governo estadual contratou policiais militares da reserva para atuarem na rede.
A Arc tem histórico de prestação de serviço a órgãos públicos. No dia 6 de novembro, pouco antes de os contratos do governo de Santa Catarina serem expostos, a Secretaria Municipal de Licitações, Contratos e Parcerias da Prefeitura de Florianópolis registrava a renovação do contrato com a mesma empresa, com um objeto completamente diferente.
A prefeitura de Florianópolis contratou a Arc para serviços de implantação e fornecimento de sinalização semafórica, com manutenções preventivas e corretivas, fornecimento de materiais, equipamentos e mão de obra para a Secretaria Municipal de Transportes e Infraestrutura.
Segundo o portal da transparência, já são R$ 8,2 milhões empenhados somente este ano, com a maior parte do valor pago em maio. O contrato de R$ 22 milhões tem como objeto a adesão à Ata de Registro de Preços promovida pelo município de Governador Valadares (MG) com essa mesma finalidade.
Governos municipal e estadual são próximos
As administrações do governador Jorginho Mello (PL) e do prefeito Topázio Neto (PL) têm mais em comum do que um prestador de serviço. Desde maio, prefeito e governador têm construído uma aliança que passou pelo apoio e pela indicação de Maryanne Matos, vice-prefeita eleita, à chapa de Topázio e se consolidou com a coordenação da campanha feita pelo filho e braço direito do governador, Filipe Mello.
A proximidade também se revelou, esta semana, com a indicação de servidores comissionados ligados ao gabinete de Topázio Neto para mudarem de sede e servirem ao governo do Estado.
A prefeitura e o governo também têm feito anúncios casados em jornais locais, como na divulgação do Multi-Hospital Floripa, obra pública com recursos de ambos. Além disso, os líderes também têm se esforçado para demonstrar entrosamento. No dia 23 de outubro, Jorginho Mello e Topázio Neto fizeram um post juntos no Instagram, falando sobre a ponte Hercílio Luz, um dos pontos turísticos mais conhecidos de Florianópolis.
Empresa atua para governo em RJ e MT
O site da Arc indica que a empresa atua na “sistematização de novas técnicas envolvendo a formação e preparação de profissionais mais capacitados para trabalhar de forma integrada os conceitos de qualidade e segurança da empresa”.
Em agosto deste ano, a Arc foi notícia por participar de um consórcio para iluminação da avenida Brasil e da avenida das Américas, no Rio de Janeiro, que acabou sendo alvo da intervenção da prefeitura. Em setembro, venceu uma licitação para sinalização em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, em processo que foi denunciado e fiscalizado pelo Tribunal de Contas do Estado, mas não identificou irregularidades.
Em Florianópolis, os empenhos de novembro para a Arc indicam um valor geral de R$ 736 mil. No dia 4, em que foi anunciada a renovação do contrato, a empresa recebeu R$ 123 mil via programa de mobilidade urbana. Já dos cofres estaduais não há registros de repasses à empresa. No dia 11 de novembro, o Ciasc anunciou a suspensão de processos de parceria até um posicionamento oficial do Ministério Público e do Tribunal de Contas.
O presidente do Ciasc, Moises Diersmann, pediu demissão do cargo na última segunda-feira, 18 de novembro, e foi substituído pelo número 2, também envolvido com os contratos. Diego Ricardo Holler, segundo apresentação no site do Ciasc, “tem vasta experiência em gestão de projetos e liderança de equipes, com foco na desburocratização e simplificação de processos e digitalização de serviços públicos”.
A reportagem entrou em contato com o governo de Santa Catarina e com a prefeitura municipal de Florianópolis para questionar sobre os contratos e possível intercâmbio de fornecedores entre os órgãos, mas não obteve resposta.
Em nota, a empresa contratada disse que tem uma história de 28 anos de prestação de serviços ao poder público, sempre focados em inteligência urbana, segurança, monitoramento, ciência de dados e afins, contribuindo para a qualidade de vida de milhões de pessoas. Disse ainda que, com todo seu acervo técnico e conhecimento adquiridos ao longo de décadas está a disposição dos gestores de Santa Catarina, como está em todo o país, sempre respeitando os regramentos contratuais e ritos licitatórios.
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