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João Cezar de Castro Rocha

Professor Titular de Literatura Comparada (UERJ) e Cientista do Nosso Estado (FAPERJ). Autor de 14 livros; seu trabalho já foi traduzido para o espanhol, mandarim, italiano, francês, alemão e inglês.

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Guerra (cultural) e Paz (incerta) – II

No Brasil, o próximo passo da guerra cultural já foi determinado e se encontra em curso
25/06/2025 | 19h33
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Guerra cultural

Retomo a pergunta que deixei em aberto na última coluna: mas onde se encontra a guerra cultural que torna incerta a paz? Isto é, a guerra cultural entendida enquanto combustível altamente inflamável que mantém a extrema direita em mobilização permanente, numa emulação involuntária da novidade estratégica das forças comandadas por Napoleão Bonaparte.

(Mobilização total da sociedade, você se recorda.)

Tolstói. (Foto: Ivan Kramskoy/ Domínio público)

Ora, mas não é a guerra cultural a mais poderosa máquina eleitoral do século 21? Máquina que tem levado a extrema direita ao poder por meio de eleições livres e democráticas — é forçoso reconhecê-lo. Ofereço como resposta uma mescla de Tolstói com Stendhal.

(Como assim? Calma! Passe os olhos na última coluna e tudo ficará claro.)

Precisamente porque estamos no meio do redemoinho, o perigo maior da travessia é desentendê-la, como foi o caso de Fabrice Del Dongo, em “A cartuxa de Parma“. Ao mesmo tempo, ainda que não saibamos, ou exatamente porque nem sempre nos damos conta, a guerra cultural da extrema direita, como ocorre na trama de “Guerra e Paz”, invade nosso cotidiano por meio da hiperpolitização das menores questões do dia a dia, a fim de paradoxalmente despolitizar a pólis. Não nos enganemos: somente numa ágora despolitizada, a sucessão de agoras desconexos, no presente eternizado de uma miríade de cortes e postagens nas redes sociais, pode pretender colonizar todas as esferas da vida pela economia da atenção.

(A monetização da atenção politicamente motivada é instrumento indispensável no avança da extrema direita.)

Eis a Esfinge que sitia a Tebas planetária que nos coube habitar. Não temos opção: pequenos Édipos, precisamos decifrar a Esfinge que não somente ameaça nos devorar, como também já principiou o processo de devoração, aliás, nada antropofágico.

A extrema direita é incapaz de conceber o desejo de ser outro, pois sequer reconhece seu direito à existência. Se o sujeito oswaldiano afirmava sua singularidade na plena assimilação da alteridade, o agente da guerra cultural acha feio o que não é espelho e, em lugar de enriquecer-se com a contribuição milionária de tantos outros mundos possíveis, ele identifica no outro um inimigo a ser eliminado; literalmente, um nada contra o qual tudo é legítimo, toda violência é justificável, incluindo aí o próprio aniquilamento. Forja-se, desse modo, a retórica do ódio, verdadeira pedagogia cotidiana de desumanização do outro, que escala da violência simbólica à extinção física.

(Visão oposta do mundo encontra-se no motor do “Manifesto Antropófago”, de Oswald de Andrade: “Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago”. Eis a lição das coisas que precisamos resgatar.)

Penso na pergunta-manifesto do romance de Nikolai Tchernichevski, “O que fazer?”, escrito na prisão tzarista em 1862, e que marcou profundamente a intelectualidade russa no século 19. A questão foi retomada na forma de uma reflexão sobre a política partidária revolucionária por Vladimir Lenin, no célebre ensaio homônimo, publicado em 1902. A dúvida tornou-se mais atual do que nunca: “O que fazer?”.

Pergunta-pura-angústia ante o avanço transnacional da extrema direita.

No Brasil, o próximo passo da guerra cultural já foi determinado e se encontra em curso de execução, qual seja, o ataque cerrado às universidades públicas como um trampolim para a privatização do ensino público em todos os níveis.

“O que fazer?”

Resposta definitiva ninguém conhece; ofereço duas ou três possibilidades com a esperança de estimular nossa conversa.

(Claro: na próxima semana, na conclusão desta série.)

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