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Heloisa Villela descreve destruição de Canoas, atingida pela enchente

Se o nível da água acumulada não baixar, as bombas não serão ligadas e as torneiras continuarão sendo inúteis
07/05/2024 | 07h30

Por Heloisa Villela

Água contaminada, parada e barrenta Canoas tem de sobra. A cidade viu 80 mil casas desaparecem quando a enchente tomou conta do município, e agora não tem água nas torneiras. Nem na Base Aérea, onde desembarquei na segunda-feira, os banheiros estão funcionando.

E se o nível da água acumulada não baixar, as bombas não serão ligadas e as torneiras continuarão sendo inúteis. Delas não vai sair nada pra beber, escovar dente ou tomar banho.

O pior é a sensação de estar vivendo no futuro. Sim. O futuro de uma espécie que insiste em não pensar no amanhã. Em não admitir que criou problemas e continua acelerando em direção a um futuro que não vai ser possível para nós, humanos.

Jairo Jorge, prefeito de Canoas, convidou os negacionistas: “Quem ainda não acredita na existência da crise climática, eu convido. Venha fazer um tour aqui em Canoas!”.

Dentro da prefeitura, encontro, em menos de 10 minutos, três pessoas que perderam tudo. Mas continuam trabalhando. Daniele Brito saiu de casa aos primeiros sinais de que dessa vez a chuva não seria brincadeira.

No fim da tarde de segunda-feira, dia 7 de maio, voltou à rua que se transformou em “terminal” marítimo pela primeira vez. Foi um choque! Ela ainda não tinha visto os barcos circulando nas ruas de Mathias Velho, o bairro onde cresceu, o maior da cidade e o mais atingido. Um dos mais pobres também.

Na rua que virou píer improvisado, muita gente vai e volta com barco resgatando pessoas e animais que ficaram em suas casas.

Danielle Brito

A casa de Danielle (parede verde)

“Quando eu saí, ainda estava tudo seco”, disse, aos prantos. E tentou explicar o que sentia olhando para o lugar onde sempre encontrou um pão quentinho na padaria, onde sabia quem eram os vizinhos. Tudo debaixo d’água, sem a menor perspectiva de voltar totalmente à tona.

Guilherme de Vargas, motorista de aplicativo, me levou à Base Aérea, pois eu precisava recuperar a mochila que ficou para trás, em Brasília, e veio no vôo da noite. No caminho, me contou como fugiu de Mato Grande, outro bairro da cidade que está debaixo d’água.

“Os caminhões com alto-falantes passaram na quinta-feira de noite avisando que era preciso sair”, contou. Mesmo assim, se demorou em casa. Como muitos vizinhos, ele não acreditou no alerta. Não teve pressa nem medo. Mas a mãe avisou que todo mundo estava falando em risco.

Ele jogou no carro algumas coisas: carteira com documentos, roupas, televisão… A água estava começando a chegar no piso da casa. Com a mãe no carro, ele saiu para a casa de parentes do outro lado da cidade. E só por isso ele ainda está trabalhando, porque salvou o carro. O meio de vida.

O vizinho da casa da frente trabalha como segurança da Prefeitura. Não me disse como se chama, mas me contou que passou dois dias na água, ajudando a salvar vizinhos, arrastando carros para lugares mais secos.

Praticamente sem dormir, mergulhado naquela água barrenta, ele acabou com uma febre alta, sintomas de gripe e teve que se afastar dos resgates. Tomou vacinas contra tétano, porque se cortou, e outras doenças.

Se mudou para a casa de um irmão do lado ainda seco de Canoas e continua na frente da Prefeitura, cuidando da segurança. “O pessoal aqui é muito solidário”, me garantiu.

Uma onda de ajuda e socorro embarcou comigo, em Brasília, no voo da FAB. São profissionais especializados em dar assistência médica e psicológica nessas tragédias.

Todos da Força Nacional do SUS, criada em 2011 com a colaboração de vários deles. Médicos, enfermeiros e bombeiros, todos voluntários, saíram de 11 estados diferentes para socorrer o Rio Grande do Sul.

Eles chegam com tudo que vão precisar. De barracas e equipamentos, a água e comida. Mas na carga do vôo vieram também 20 mil toneladas de mantimentos, água, roupas e calçados que a população de Brasília doou para ajudar nesses primeiros dias.

Canoas e o Rio Grande do Sul vão precisar de muito mais. Aqui, segundo a prefeitura, a água só deve descer em um período de 45 a 60 dias.

Não sei como eles vão aguentar todo esse tempo. Mas sei também que nenhum de nós vai aguentar viver no planeta cada vez menos verde, mais sujeito a grandes “catástrofes naturais” que estamos trabalhando para ter.

 

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