Em alguma maca de uma prisão na cidade de Bonne Terre, no Missouri, o norte americano Marcellus Williams tombou morto às 18h10 da última terça-feira (24). Para nós, aqui ao sul do continente, a notícia chega como se tivesse vinda de um bairro próximo, tão anestesiados estamos com a morte de um corpo como o dele: um homem negro, condenado desde 2001.
O que toca na morte de Marcellus é a surdez. A falta de escuta das instituições para a família da vítima, que pediu que ele fosse poupado da morte; para as evidências que o afastavam da autoria; e até para elas mesmas, pois o promotor apelou sem sucesso à Suprema Corte, apontando que ele poderia ser inocente. Todo mundo implorou às instâncias do judiciário norte-americano pela vida daquele homem, mas ele não vive mais e o ponto é: Quem se importa?
O ano era 1998 e a ex-repórter Felicia Gayle foi achada morta a facadas em casa. Há sete anos apareceram os primeiros indícios de que Willians era inocente, mas a dor e o assassinato de homens pretos parece ser o gozo de sociedades que se formaram subindo em suas costas. A sequência de erros, de “vistas grossas”, de abusos e infâmias neste caso impressiona.
A promotoria e a defesa pediram uma nova audiência para provar que os direitos constitucionais do preso foram violados, o júri foi composto por onze pessoas brancas e apenas uma pessoa negra. Por fim o Innocent Project apelou à Suprema Corte dos Estados Unidos citando preconceito racial na formação do júri e pedindo da suspensão da execução. Há mais, muito mais, porém nada adiantou.
Por aqui temos uma justiça também seletiva, racista em larga medida e geradora de situações facilitadoras da morte de pessoas como Marcellus Williams, mas as leis e o ordenamento jurídico brasileiro, o que está escrito no papel, ao menos não endossa. Não é suficiente, mas é muita coisa. Por enquanto não temos que ver a selvageria de um assassinato oficial, mas por aqui há muita gente que deseja legalmente matar primeiro e ver se procede depois.
Imagino este homem dentro de um cárcere por 24 anos com o pescoço na guilhotina; sua família por duas décadas e meia nesta angústia e que se despediu dele em uma sala fria do presídio; a frustração de seus advogados, advogadas, dos promotores, promotoras… Imagino o sorriso dos 11 jurados, dos juízes da Suprema Corte, do Governador. Imagino.
Quatro dias antes da morte de Marcellus, Freddie Owens também morreu na Carolina do Sul. Foi assassinado horas depois de um corréu e testemunha confessar que mentiu no depoimento. Freddie não estava no momento do crime. Estes corpos se unem aos milhares que pendiam de árvores na escravidão e nas primeiras décadas do século 20, os “Strange fruits” cantados por Billie Holliday, . Sai à forca, entra a injeção que mata não apenas o condenado, mas a humanidade que existe em todos e todas nós.
A morte não tem “Vídeo Assistant Referee” – V.A.R… Olhando para os vizinhos, dá para saber o que não devemos e não podemos querer em casa.
Será a “maior democracia do mundo” aquela que for capaz de promover a vida… apenas a vida.
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