Por Alice Maciel — Agência Pública
A empresa do presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira (PL–AL) foi condenada pela Justiça do Trabalho a pagar R$154,2 mil a um ex-funcionário que cuidava dos cavalos do parlamentar no parque e haras Arthur Filho, onde Lira promove vaquejadas, em Pilar (AL).
Ronaldo* relatou no processo ter trabalhado durante quatro anos na D’Lira Agropecuária e Eventos, sem carteira assinada e sem nunca ter tirado folga ou férias. Ele afirma ainda que trabalhava todos os dias da semana, “das 05h30m às 18h, com uma hora de intervalo para descanso e refeição”.
Responsável por alimentar e limpar os cavalos e as baias, além de montar nos animais, Ronaldo disse em audiência realizada em 3 de outubro de 2023 na Vara do Trabalho de Atalaia (AL), que morava no parque de vaquejada e recebia pelo serviço um salário mínimo “em espécie” e outros mil reais “por fora” — que seria a soma do pagamento que era feito pelas pessoas que mantêm seus animais no haras de Arthur Lira.
Ronaldo alega que foi demitido em outubro de 2022, “sem justa causa”. A Agência Pública tentou contato com ele e com sua advogada, Bruna Rafaelle Lins, mas não obteve retorno.
Arthur Lira é o presidente da Câmara dos Deputados e assuntos relacionados a seu papel e influência na sociedade são de interesse público
A Empresa D’Lira agropecuária tem ao menos outras duas ações envolvendo ex-funcionários com acusações trabalhistas
Além do presidente da Câmara dos Deputados, a D’Lira Agropecuária tem como sócios sua esposa, Angela Maria Gomes de Almeida Lira, e o pai do político, o prefeito de Barra de São Miguel (AL), Benedito de Lira, conforme informações públicas da Receita Federal.
A condenação contra a empresa foi proferida pelo Juiz do Trabalho, Ricardo Tenório Cavalcante, em 20 de fevereiro deste ano. A ré recorreu, mas os embargos declaratórios — que tem a finalidade de esclarecer contradições ou omissões da decisão – foram julgados improcedentes em 6 de março. A defesa apresentou novo recurso no dia 19 de março, e aguarda o julgamento.
A decisão do magistrado de primeira instância considerou o depoimento de outro ex-funcionário ouvido como testemunha do autor da ação, que também trabalhou como tratador de cavalos, de 2018 a 2021. Ele confirmou à justiça o vínculo empregatício de Ronaldo e a sobrecarga de trabalho imposta a ele.
Segundo a testemunha, Ronaldo “trabalhava de domingo a domingo”; “das 6h às 13hrs e das 13h às 18h”; “parava apenas para almoçar”; e “não tinha folga”. Nenhuma testemunha da empresa foi ouvida. “A reclamada dispensa a oitiva de suas testemunhas”, informa o juiz na ação.
A D’Lira Agropecuária defendeu nos autos que Ronaldo “não laborou em jornada extraordinária”. Segundo a empresa, ele trabalhava de segunda a sexta, “em horário comercial das 08 às 18 horas com 2 horas de intervalo”. “Não sendo verídicas as informações do demandante de que laborava de domingo a domingo e feriados, sem qualquer tipo de folga compensatória no horário descrito na inicial”, acrescentou a defesa da ré.
O juiz acatou, no entanto, as alegações do ex-funcionário, determinando o pagamento de horas-extras a ele. Segundo Cavalcante, a empresa não produziu “qualquer prova apta a invalidar as afirmações da testemunha autoral”.
Procurado pela Pública, Arthur Lira informou por meio de sua assessoria de imprensa que Ronaldo “nunca foi empregado da empresa”. “Tanto que o mesmo afirma que cuidava dos cavalos de vários donos. E que tratava diretamente com esses proprietários, não com a empresa. Ele também afirmou que recebeu o pagamento pelos seus serviços diretamente de cada um dos proprietários dos cavalos”, justificou o parlamentar.
Ele acrescenta: “A testemunha trazida pelo reclamante informou ao juízo que nunca viu Arthur Lira dar ordens ou fazer pagamentos ao reclamante. Ou seja, nunca houve uma relação laboral direta entre eles”. O deputado reforçou ainda que o processo está em grau de recurso. “Sendo assim, o entendimento do primeiro grau pode ser reformado pelo tribunal”, destacou.
Pagamento “em espécie” seria feito por dirigente do União Brasil
À Justiça, Ronaldo disse que cuidava de 15 cavalos, sendo que cerca de “6 a 7 animais” eram de Arthur Lira, e os outros pertenciam a “Sr. Feijão”, ao “Sr. Otávio Leite “, “Alan” e ao “Sr. Irisvaldo”. Segundo ele, o pagamento do “salário mínimo em espécie” seria feito por “Feijão”, que também era responsável por controlar seu horário de trabalho.
Feijão é o apelido de Helder Teixeira Cassiano, que representou a D’Lira Agropecuária no processo, como preposto. Em entrevista à Pública, ele disse que é amigo de Arthur Lira das vaquejadas, mas que não trabalha para o deputado.
Servidor público do estado, ele contou que possui um rancho próximo ao parque Arthur Filho, e por isso mantém um cavalo lá, uma vez que não tem área para treinar seu animal. Ele afirmou ainda que fazia o pagamento de Ronaldo “quando o funcionário responsável não ia”.
Cassiano é o secretário-geral adjunto do União Brasil de Alagoas — atualmente presidido pelo ex-assessor de Lira, Luciano Cavalcante. Ele disse à reportagem não ter nada a ver com o partido e que seu nome foi incluído na direção “só para constar”.
“Eu não sei nem onde é que fica. Eles pediram meu nome e botaram para constar esse partido aí, mas eu nem sei o que eles estão fazendo”, acrescentou.
Assim como ele, os outros donos dos animais citados por Ronaldo também são dirigentes do União Brasil de Alagoas. “Nós não fazemos parte da cúpula, somos os peões”, ressaltou Cassiano.
Otávio Leite é o segundo vice-presidente da legenda, além de sócio de Arthur Lira na AF Promoções Artísticas e Eventos, empresa com sede registrada no Parque Arthur Filho. Irisvaldo Macena é o terceiro vice-presidente, e está lotado como secretário parlamentar no gabinete de Lira na Câmara dos Deputados desde 2016, com salário de R$ 6,4 mil.
Macena foi apontado pelo ex-funcionário da D’Lira Agropecuária, ouvido como testemunha na ação contra a empresa, como motorista de Arthur Lira. Já Allan Teixeira Brandão é o secretário-geral do partido e foi indicado por Lira para um cargo na Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU).
Segundo o depoimento de Ronaldo, além do salário mínimo, ele recebia “R$ 100,00 do Sr. Feijão e R$ 500,00 do Sr. Otávio Leite, durante um período; que o Sr. Alan pagava R$ 100,00 por mês”; e “que recebia R$ 300,00 do Sr. Irisvaldo”. A reportagem não conseguiu contato com Otávio Leite, Irisvaldo e Allan Teixeira.
Helder Teixeira Cassiano, o “Feijão” — que representou a D’Lira Agropecuária na ação trabalhista — afirmou em audiência na Vara do Trabalho de Atalaia, que era o responsável por efetuar o pagamento a Ronaldo. Segundo ele, o salário do funcionário era “um apanhado com todos os que tinham cavalo lá no parque” e era ele quem fazia “a arrecadação” com os proprietários dos animais.
Cassiano alegou em seu depoimento que “a parte do Artur Lyra (sic) não era em dinheiro e sim com as baias” e “que os donos dos cavalos pagavam pelo uso das baias pelos cavalos ao Artur Lyra (sic) mediante a entrega do salário” a Ronaldo.
Ele afirmou ainda que “sua cota no salário mínimo era de R$ 225,00 a R$ 250,00” e destacou que Ronaldo recebia por fora “alguns valores” dos donos dos animais e que ele próprio dava de R$ 100 a R$ 150 a mais por mês, “pelo zelo” que o funcionário tinha por seu cavalo.
Ainda de acordo com Helder Teixeira Cassiano, Ronaldo “trabalhava para várias pessoas e foi dispensado porque não mais agradava a todos”.
Defesa negou vínculo empregatício
Ao longo do processo, a defesa da D’Lira Agropecuária negou o vínculo empregatício de Ronaldo. “É preciso reforçar que não havia vínculo empregatício, mas sim uma prestação de serviço tanto ao réu, quanto a terceiros que não são os proprietários do parque de vaquejada”, defendeu-se.
O argumento foi rejeitado pelo juiz do trabalho Ricardo Tenório Cavalcante.
Para o magistrado, o depoimento da testemunha de Ronaldo confirma o vínculo e, segundo Cavalcante, a empresa “não produziu qualquer prova no sentido de afastar a caracterização da relação de emprego”.
“É cediço que a valoração da prova é regida pelo princípio do livre convencimento motivado. Ninguém melhor do que o juiz que colheu a prova oral para aferir a sua credibilidade, devendo-se prestigiar, pois, a impressão pessoal do magistrado. Além disso, o depoimento da testemunha deve ser confrontado em relação às demais provas produzidas nos autos e assim, a partir da valoração da prova, formar o convencimento do magistrado. Nesse aspecto, observo que o depoimento da testemunha do reclamante aponta na direção de que a autora laborou para a reclamada no período e frequência indicados na exordial [que no direito quer dizer petição inicial]”, concluiu o juiz.
O valor da indenização imposta à empresa, de R$ 154,2 mil, se refere ao pagamento de aviso prévio; salário do mês de outubro de 2022; 13º salário proporcional; férias de 2019 a 2022; Fundo de Garantia; horas-extras e multas.
Além disso, a D’Lira Agropecuária foi condenada a pagar a Ronaldo adicional de insalubridade “em grau médio”, após um perito do trabalho constatar que o funcionário “encontrava-se exposto a risco biológico (exposição ao agente de risco era indissociável da realização de suas atividade)”.
O advogado que defende a empresa de Arthur Lira na ação trabalhista é Adriano Costa Avelino. Conforme reportagem publicada pela Pública em parceria com a revista Piauí em julho do ano passado, Avelino recebeu R$2,8 milhões para atuar em favor do Hospital Veredas, localizado em Maceió, que é dirigido por pessoas ligadas a Arthur Lira e recebeu recursos de emendas do orçamento secreto. Lira também fez campanha para que o advogado fosse indicado ao Tribunal Superior do Trabalho.
Histórico de condenação trabalhista da D’Lira Agropecuária
Em julho de 2018, a D’Lira Agropecuária, além de Arthur e Benedito de Lira, foram condenados em primeira instância a pagar R$ 430 mil a um ex-funcionário da empresa.
Eles recorreram, e em 11 de dezembro do mesmo ano, a decisão de 2º grau reformou em parte a sentença e definiu o novo valor da condenação em R$ 150 mil. Mais de três anos depois, as partes chegaram a um acordo, lavrado em março de 2022, em que a empresa se responsabilizou a pagar R$ 100 mil de indenização.
Em audiência realizada em 11 de julho de 2018, na Vara do Trabalho de Penedo, Carlos* relatou ter trabalhado na D’Lira Agropecuária de 2007 a 2017 também sem carteira assinada e assim como Ronaldo, sem nunca ter tirado férias neste período. Ele disse ainda que morava na “casa grande da Fazenda Taquari”, em Quipapá (PE), “trabalhava de segunda a sábado,de 6hrs às 18hrs, com uma hora de intervalo para almoço”, e “em todos os feriados”.
A Pública procurou Carlos, que preferiu não se manifestar.
Carlos contou à Justiça que trabalhava como gerente das fazendas dos Lira localizadas em Alagoas e Pernambuco e no parque de Vaquejada, em Pilar (AL). Segundo ele, “todas as ordens e todos os assuntos eram tratados diretamente com o Deputado Artur Lira (sic)”. Ele recebia cinco salários mínimos mensais pelo serviço e denunciou não ter recebido nenhuma verba rescisória quando foi demitido.
O ex-funcionário dos Lira ingressou com a ação em 2018, para pleitear o reconhecimento do vínculo empregatício e “pagamento de verbas decorrentes da execução e da cessação do contrato de trabalho, inclusive horas-extras e multas legais”.
Ele afirmou no processo que era encarregado de fazer os pagamentos dos empregados das fazendas, que anotava em um caderno as despesas, e apresentava ao Djair Marcelino da Silva — que segundo ele, era “uma espécie de secretário-geral e manda em tudo na parte burocrática do escritório do deputado Artur Lira”. Carlos disse em seu depoimento, que Djair ia ao apartamento de Lira “buscar o dinheiro para pagar os empregados das fazendas”.
Desde 2020, Djair está lotado no gabinete de Arthur Lira na Câmara dos Deputados, com salário bruto de R$ 8,4 mil. Ele trabalha no escritório do parlamentar em Maceió. Conforme mostrou reportagem da Pública, o político também emprega parentes de Djair.
Djair Marcelino foi o preposto da D’Lira Agropecuária, de Arthur e de Benedito Lira na ação movida por Carlos. Na ocasião, em depoimento à Justiça também em julho de 2018, ele confirmou que o ex-funcionário não tirava férias.
Segundo ele, os pagamentos a Carlos “eram feitos pelo Deputado Artur Lira (sic)” e “que a empresa D’ Lira Agropecuária e Eventos Ltda-Me não possui fazendas nem administra nenhuma fazenda” e que “está ligada apenas ao parque de vaquejada do Pilar, que organizava eventos no final do ano”.
A reportagem conversou com uma pessoa que trabalhou para a D’Lira Agropecuária, sob a condição de anonimato. Segundo a fonte, a situação de Ronaldo e de Carlos não seria isolada, já que a fonte consultada alega que não possuía carteira assinada e diz nunca ter tirado férias.
“Tem uma coisa que eu acho muito errado que o deputado faz, nas fazendas dele os funcionários são clandestinos, não recebem férias. Tem funcionário que trabalha há 15 anos, recebe um salário mínimo e nunca tirou férias”, reclama, acrescentando: “quando vai reclamar o deputado diz, ‘se não quiser pode ir embora’, mas a pessoa precisa do trabalho”.
Procurado pela Pública, Arthur Lira não se manifestou sobre a ação movida por Carlos, nem sobre as queixas da fonte ouvida pela reportagem.
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