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João Cezar de Castro Rocha

Professor Titular de Literatura Comparada (UERJ) e Cientista do Nosso Estado (FAPERJ). Autor de 14 livros; seu trabalho já foi traduzido para o espanhol, mandarim, italiano, francês, alemão e inglês.

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Marcha de uma nota só: o autogolpe é coisa nossa – V

Os militares tudo fizeram e fazem para se colocar acima da lei
21/01/2025 | 08h09

And now the end is near

Esta série ameaça tornar-se permanente, não é mesmo? Contudo, não desanime, recorde a canção, “the end is near”. Concluo a série neste artigo.

Em coluna anterior já mencionei a interpretação carnavalesca de Ives Gandra Martins do artigo 142 da Constituição Federal e também destaquei sua centralidade na arquitetura da destruição do golpismo bolsonarista. [1] De todo modo, para rematar esta longa série, preciso retornar aos devaneios do jurista, em texto publicado em 28 de maio de 2020.

A chave de leitura da hermenêutica terraplanista de Gandra Martins reside na afirmação, “solicitar às Forças Armadas que ajam como Poder Moderador”.

Eis o conceito-ímã que obseda os golpistas: Poder Moderador. Em outras palavras, os militares assumiram, sem disfarce algum ou qualquer constrangimento aparente, o papel de tutores da República, como se, sem a tutela das Forças Armadas, a sociedade civil não saberia governar o país.

No importante livro de Fabio Victor, “Poder camuflado”, há um capítulo indispensável para essa discussão, cujo título, aliás, vale por todo um ensaio, “Leônidas no comando”. O autor refere-se ao general Leônidas Pires Gonçalves, ministro do Exército do governo de José Sarney. O sentido da atuação do general não podia ser mais claro (e brutal):

“O gesto de Leônidas instaurava a tutela militar que caracterizaria o governo nascente.

(…)

Por pressão das Forças Armadas, o texto original foi alterado, sendo restabelecida a elas a responsabilidade por assegurar a lei e a ordem – conforme descrito no hoje famoso artigo 142 da Carta Magna”.[2]

Mas, afinal, por que a obsessão dos militares com a pretensão de exercer uma tutela permanente sobre a República?

(Quase todos perdidos de armas na mão.)

Ainda mais: por que a ideia fixa com a equivalência anacrônica entre as Forças Armadas e o Poder Moderador?

Essa equivalência sugere uma inesperada continuidade entre os períodos monárquico e republicano, como se este não houvesse destronado Pedro II. A surpresa se dissipa quando consultamos a Constituição do Império, outorgada por Pedro I no dia 25 de março de 1824.

O mais comum, e se compreende com facilidade a razão, é que se sublinhe o artigo 98, pois ele define a essência e a função do Poder Moderador. Sem embargo, o ponto decisivo encontra-se no artigo 99: o verdadeiro alvo dos militares, especialmente após a ditadura militar (1964–1985). Para que se decifre o propósito, basta substituir, na redação do texto constitucional, “A Pessoa do Imperador” por “Forças Armadas”, além de excluir o caráter “Sagrado”, claro está:

“As Forças Armadas são invioláveis. Elas não estão sujeitas a responsabilidade alguma”.

Olhos nos olhos, quero ver o que você diz: os militares tudo fizeram e fazem para se colocar acima da lei. A impunidade completa é a continência que a sociedade deve bater às Forças Armadas.

É mesmo?

Ainda estão aqui?

(¿Hasta cuándo? ¿Hasta cuándo?)

 

[1] Ver, “Memórias do subsolo: a responsabilidade de Bolsonaro”: https://iclnoticias.com.br/memorias-subsolo-responsabilidade-de-bolsonaro/
[2] Fabio Victor. Poder camuflado. Os militares e a política, do fim da ditadura à aliança com Bolsonaro. São Paulo: Companhia das Letras, 2022, p. 49 & 51.

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