Marisa Maiô virou fenômeno nacional em questão de dias. A apresentadora virtual, criada com inteligência artificial pelo youtuber Raony Phillips, conquistou milhões de visualizações, fechou contratos de publicidade com o Magazine Luiza e fez o perfil do Instagram do criador chegar a quase 400 mil seguidores em pouco tempo. O sucesso meteórico da obra sintética, de certa forma, celebra o triunfo da criatividade humana.
O criador usou a nova ferramenta de criação de vídeos generativos do Google, a Veo 3, para materializar a sua visão artística e crítica de um programa de auditório de TV levado ao extremo. O roteiro foi escrito pelo Raony, o humor é dele, a construção da personagem, incluindo sua personalidade, estilo, tom… tudo criado por Raony, não por uma IA.
A ferramenta apenas executou o que um ser humano concebeu. O que faz Marisa Maiô ser divertida é justamente a concepção humana, uma boa notícia nesse momento em que há tanto temor das IA tomar o lugar dos criativos.
Há também outro aspecto a se considerar nessa celebração. A produção de um programa de auditório tradicional emprega dezenas de profissionais: roteiristas, produtores, figurinistas, cenógrafos, câmeras, editores, sonoplastas, maquiadores, etc. Marisa Maiô eliminou todos esses empregos de uma só vez.
É um marco da normalização de um modelo que pode transformar uma indústria coletiva em empreendimento individual. O discurso da eficiência disfarçado de democratização criativa promove a precarização do trabalho cultural. O estouro da Marisa Maiô aconteceu justo quando vem à tona que Hollywood não tem sido transparente em relação ao uso de IA para cortar orçamentos. Algumas produções já substituem artistas de storyboard por algoritmos por uma fração do custo. Em vez dos trabalhadores usufruírem dos benefícios desse aumento de produtividade, tem sido simplesmente dispensados.
Não demora o dia em que uma produção que ainda empregue equipes completas seja vista como antiquada, ineficiente, custosa demais. A questão não é o mérito individual e sim se isso se sustenta como modelo e com quais consequências. Isso pode concentrar a criação cultural nas mãos de poucos que tem acesso às ferramentas certas, e caras, enquanto o resto da cadeia produtiva desaparece.
O verdadeiro teste para nossa humanidade não é conseguir criar outras Marisas Maiôs convincentes. É saber se conseguimos construir uma sociedade onde os avanços tecnológicos beneficiem a maioria.
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