Quando Jair Bolsonaro se tornou presidente do Brasil e junto com seus asseclas apresentou ao país o incrível repertório de fake news, grosserias e negacionismo que lhe é peculiar, muita gente sucumbiu ao baixo astral. “Como um personagem assim chegou ao mais alto cargo político?”, se perguntavam os democratas.
Enquanto a esquerda pensava formas de reagir ao neofascismo emergente, surgiu um paliativo para o mau-humor generalizado. O podcast “Medo e delírio em Brasília“, criado por Pedro Daltro e Cristiano Botafogo, provou que era possível reagir e denunciar as bizarrices bolsonaristas sem abrir mão da irreverência que é a marca nacional.
Logo virou hype.
O programa conseguiu tirar da depressão política muita gente que achava que o Brasil estava irremediavelmente perdido para a extrema direita. Os brucutus que ganharam mandato em 2018 continuam por aí, dando muito trabalho, mas viu-se com o tempo que havia espaço para a luta — e a derrota de Bolsonaro em 2022 provou isso.
“Medo e delírio em Brasília” ajudou seus ouvintes a não enlouqueceram de vez — além de Bolsonaro todos enfrentamos a pandemia. Provou que o humor é um santo combustível para a ação, especialmente quando não é nem alienante e nem panfletário.
O tempo passou e cá estamos de novo, em mais um tsunami de baixo astral. Dessa vez, a nuvem cinzenta não está apenas sobre o Brasil, mas sobre o mundo todo.
Donald Trump, Elon Musk, Mark Zuckerberg e outros bilionários de tendência nazista são a ameaça da vez.
O presidente dos Estados Unidos deporta latinos aos montes, manda imigrantes ilegais para Guantanamo, ameaça com tarifas exorbitantes países que até ontem eram aliados, quer anexar o território da Groenlândia, retira direitos da comunidade LGBTQIA+, extermina programas de assistência sociais que investiam bilhões para combater doenças e mitigar catástrofes, demite funcionários, busca a vingança sobre oponentes e por aí vai.
Na terça-feira (4), ao lado de Netanyahu, Trump atingiu um patamar de comportamento nazista que é surpreendente até para uma figura abjeta como ele. Disse que os EUA vão tomar conta do território de Gaza, retirar todos os palestinos e fazer da região um balneário para ricaços.
A explicitação do projeto de limpeza étnica teve como resposta o repúdio da maior parte da comunidade internacional.
Quando lembramos que Trump está apenas no decimo-sétimo dia de seu mandato, temos a noção do tamanho da encrenca em que o mundo se meteu.
Agora é a vez do “Medo e delírio em Washington”.
A grande diferença é que os delírios atuais têm escala gigantesca e são financiados por bilhões de dólares. Como consequência, os medos são incomparavelmente maiores.
Mal ou bem, nosso tiranete local foi contido pelas instituições brasileiras. Mesmo com alguns generais e boa parte do Congresso ao seu lado, ele não conseguiu consumar o golpe que planejava.
A grande pergunta é: quem conseguirá deter Donald Trump e Elon Musk?
Com a ONU mais fraca do que nunca, não há uma instância de questionamento e cobrança real aos autocratas. É puro jogo de cena.
Sendo assim, resta apostar que a crescente insatisfação das classes e países prejudicados por Trump resulte em alguma mobilização. Até mesmo dentro dos EUA.
Não se trata de otimismo.
Por enquanto, esses movimentos contra Trump e Musk são incipientes. Um ato feito nesta quarta-feira (5) em Washington DC reuniu pouco mais de mil pessoas.
Mas, como se sabe, o pêndulo da história costuma surpreender.
Agora, quem foi pego de surpresa fomos nós. Quem sabe amanhã eles é que serão surpreendidos.
Trabalhemos por isso.
Infelizmente (ou felizmente?), como se sabe, não existe um Xandão com jurisdição planetária.
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