“Quando rejeitamos a história única, quando percebemos que nunca existe uma história única sobre lugar nenhum, reavemos uma espécie de paraíso”. ADICHIE, Chimamanda Ngozi, 2019:16-17.
A citação acima, escrita pela escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adiche, nos fala sobre a necessidade de darmos visibilidade a “outras” narrativas e experiências históricas ou, por assim dizer, as narrativas e experiências históricas não dominantes. Durante anos, a máscara colonial, construída pelo colonialismo europeu, silenciou as histórias e memórias coletivas dos povos negros escravizados e colonizados.
Por meio de uma narrativa única, que buscou objetificar e coisificar as culturas e sociedades que, na visão do “colonizadores”, eram narrados e apresentados como o/a outro/a/e. Dessa forma, o Memorial das Mãos Negras, inaugurado no dia 29 de novembro de 2024, passou a ser um lugar de ressignificação politica da memória nacional e, principalmente, das memórias das comunidades negras no Brasil.
Entre os anos de 1979 e 1981, foram encontradas e colocadas ossadas em local ocupado pela Embrapa Solos, vizinho ao Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. Após análises, constatou-se que se tratava de ossadas de escravizadas/os que trabalharam no local durante o período colonial, “silenciados” na história. Trabalhadores negros e africanos, que, com suas sabedorias ancestrais, ajudaram a edificar e a cuidar da flora e fauna locais.
É importante pontuar que o Jardim Botânico do Rio de Janeiro foi fundado em 13 de junho de 1808 por D. João VI, então príncipe regente português, após o processo de transferência da corte portuguesa para a cidade. Com a implantação da então nova sede do império, foram propostas diversas melhorias, como a fábrica de pólvora na sede do antigo “Engenho da Lagoa”.
Localizado entre o Museu do Jardim Botânico e a Biblioteca Barbosa Rodrigues, o Memorial das Mãos Negras passou ocupar uma região simbólica para a memória e a história da cidade do Rio de Janeiro. Um lugar de memória que nos remete a um passado colonial e a um passado imperial que ainda hoje projeta sobre os corpos negros os processos de violência, racismo e intolerância.
Não por acaso, o Memorial das Mãos Negras é uma parte do Cais do Valongo fora do lugar. É uma parte da história que o Estado brasileiro ainda tenta compreender. E uma parte do continente africano que nos remete a um passado e nos aponta para um presente e um futuro que precisam ser rescritos.
Assim, o Memorial das Mãos Negras surge como uma proposta de reescrita do passado que retira máscaras coloniais, símbolos do projeto imposto aos colonizados, para que possamos reescrever as histórias que ainda estão enterradas no grande palimpsesto social.
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