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Mesmo após provar corrupção, Renato Freitas luta sozinho para cassar presidente da Alep

Deputado diz que nem mesmo os colegas de oposição na assembleia o apoiam no pedido de cassação
11/12/2023 | 15h43

Por Chico Alves

O Brasil acompanhou nas últimas semanas mais um embate do deputado Renato Freitas (PT) contra a extrema-direita paranaense. Depois de chamar de corrupto o presidente da Assembleia Legislativa, Ademar Traiano (PSD), Renato teve o nome encaminhado para a comissão de ética da Casa, com ameaça de cassação por quebra de decoro. O petista, no entanto, conseguiu provar que o próprio Traiano admitiu ao Ministério Público ter recebido dinheiro sujo para manter o contrato de uma empresa de comunicação que cuidava do funcionamento da TV da assembleia. O próprio relator do caso descartou o pedido de cassação.

Depois que a confissão veio à tona, o presidente da Alep conseguiu decisão na Justiça que censurou vários veículos de comunicação que noticiaram a história, mas um recurso derrubou a medida. Agora, Renato Freitas quer a cassação do mandato de Ademar Traiano por conta da denúncia que fez. Apesar de todas as evidências, surpreendentemente está sozinho nessa luta: nenhum dos outros sete deputados de oposição (seis do PT e um do PDT) o apoiam na tentativa de tirar Traiano do poder.

Renato explica ao ICL Notícias os motivos dessa inércia na entrevista a seguir:

ICL Notícias – Você tem a convicção de que Ademar Traiano não pode mais ser deputado?

Renato Freitas – Com certeza. Por causa daquilo que seria um erro de opinião, eles (os deputados de direita) achavam que eu não deveria continuar deputado. A minha régua não é assim, não é rasteira, não é covarde como essa. Mas aquele que rouba o dinheiro público com certeza absoluta deve não só deixar de ser deputado como ser preso, porque é um dos piores tipos de crime que existe. As consequências nós sabemos: é a descredibilização das instituições e o enfraquecimento da democracia. Isso abre caminho para uma tentativa de golpe como a gente viveu agora há pouco, justamente pra essa corrupção tão naturalizada e normalizada.

Mas você acredita que há condições políticas reais de Traiano ser cassado?

Logo que eu apresentei as provas, o deputado Fábio Oliveira (Podemos) disse que iria representar contra o Traiano pela cassação também. Na terça-feira, já surgiu o boato lá nos corredores que Traiano falou que se Fábio continuasse nessa investida que ia demonstrar o tanto de rachadinha que ele faz no gabinete dele. E ele (Fábio) já recuou e ficou bem quietinho na dele, não falou mais um pio. Isso é um exemplo prático que representa algo já em relação à situação.

Em relação à oposição, que somos nós, oito no total, eu avisei que estava representando contra o Traiano, abri de um dia pro outro, deixei ali 24 horas para assinatura dentro do sistema e avisei nos grupos do WhatsApp para os demais deputados a oposição. Falei que esta a representação foi porque descobri um crime dele, não tem porque não fazer isso. Disse para a gente assinar junto que vai ter mais força. Passaram as 24 horas e ninguém nem respondeu. Ninguém da oposição.

Como se explica isso?

Eles (Traiano e seu grupo político) controlam as emendas parlamentares. A partir da intervenção do governo do Ratinho. Conseguem determinar quais emendas vão ser cumpridas e quais não serão cumpridas, porque as emendas no Paraná não são impositivas, são facultativas. Então, é um poder, uma discricionariedade muito grande do governador de atropelar os projetos que a própria assembleia tem. Então, isso daí vai prejudicar muito a vida dos deputados, em uma análise muito pragmática. Nem todo mundo está disposto a arriscar o mandato numa luta que pode perder, não ser reeleito e eventualmente até cassado.

Infelizmente me parece que isso é um indício de que há esse tipo de tratativa secreta em que as pessoas se comprometem umas com as outras e depois não conseguem tomar decisões a favor do povo, como essa de repúdio a um ato de corrupção.

Mas nesse sistema que você está descrevendo podemos dizer que na prática não há oposição?

Se os deputados não sabiam até esse momento (da admissão de Traiano ter praticado ato ilícito) nesse momento souberam. Mas os outros deputados do PT, quatro ou cinco que já estavam ali, já sabiam. E os outros também. Até as pedras da rua sabiam, mas ninguém queria se indispor.

O PT sequer fez uma nota pedindo o afastamento do Traiano da presidência, o que era o mínimo. Diante de um caso evidente, confesso, de corrupção, a oposição deveria pedir que se retire da presidência ao menos até as apurações e investigações findarem. E não foi feito. Ou seja: há aí uma cumplicidade tácita.

Então você está completamente sozinho nesse embate?

Exato. A única coisa que o PT falou que poderia fazer depois eu pedi uma reunião foi acionar o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) para que ele questionasse o sigilo desse processo e avaliasse se é o caso realmente de fazer esse acordo (de não persecução penal com Traiano).

Enquanto Traiano escapa, por outro lado você teme que peçam novamente a sua cassação?

Ah, já é a sexta vez que pedem minha cassação na assembleia. Isso vai voltar a acontecer, infelizmente. Quem me garante que não vai ter a décima, décima segunda, décima quarta?…

Por um lado simbolicamente e inconscientemente o deputado Ademar Traiano faz ironicamente um favor à população, no sentido de que ele rouba, de que ele assina e confessa o roubo – que não é a primeira vez – sai a notícia, isso vem a público e ele permanece como número um, como o modelo do parlamentar da assembleia do Paraná. Ou seja: como assegurador político em abstrato, quase como referência. Isso tem um poder muito grande, porque demonstra para a população que a instituição está corrompida e que não é uma excrescência, um algo a mais, como se fosse um câncer a ser extirpado.

Então é o próprio corpo, é a essência, é a forma de se organizar do modelo democrático burguês representativo brasileiro que tem que ser profundamente modificado. Ele é insuficiente. Por outro lado, conscientemente, o Traiano diz o que a maioria daqueles parlamentares querem: fazer carreira e engordar às custas da miséria do outro, da pobreza, da magreza, da fome alheia. Ele engorda a partir da fome alheia.

Isso demonstra a fragilidade da democracia brasileira e a abertura que ela mesmo dá ao fascismo, que hoje monopoliza a voz contra o sistema

Fica o questionamento sobre a oposição que critica no discurso mas não age contra aqueles que atacam a democracia.

Com certeza. A prática é o critério da verdade.

Todo esse quadro explica porque há tanto descrédito na política, não acha?

De fora pode até parecer uma política amadora por parte deles. Mas você estando perto percebe que a filosofia de sucesso, a receita tradicional da política é: cada um faz a sua caminhada, ninguém atravessa a de ninguém e todo mundo se acomoda nas regras e estruturas de poder já estabelecidas. Inclusive a esquerda Uma esquerda que fica 20 anos como oposição e não provoca nenhuma mudança sensível, não é mais oposição, ela é associada. E a esquerda de um modo geral no Brasil é associada, não é oposição. Eles dizem que fazem alianças com adversários para derrotar os inimigos, mas os adversários também são inimigos, porque fazem parte do mesmo esquema de status quo.

Com essa falta de apoio do PT, você pensa em sair do partido?

Não. Eu fui em uma conferência eleitoral do PT e o carinho, o apoio, o amor que eu recebi, que eu senti da base do partido, das pessoas, vereadores, prefeitos e demais lideranças, outros parlamentares, foi algo assim inenarrável indescritível, sem palavras. Foi da hora. Então, eu percebo que o PT é o nosso espaço, tem pessoas maravilhosas e é a base. A base não é o poder. O problema é o poder, o poder apodrece.

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