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Primeira família a deixar Moinho justifica saída a proteção da filha contra PM

Bárbara Monique dos Santos conta que filha de 6 anos passou por traqueostomia e tem um canal no pescoço para poder respirar
22/04/2025 | 15h44
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Por Catarina Duarte, Paulo Batistella e Jessica Santos — Ponte Jornalismo

A dona de casa Bárbara Monique dos Santos, de 28 anos, foi uma das primeiras a deixar a favela do Moinho na manhã desta terça-feira (22/4), quando tiveram início as saídas dos moradores em meio ao plano de remoção da comunidade conduzido por Tarcísio de Freitas (Republicanos). Ela vive com o marido e duas filhas pequenas — uma delas, de seis anos, passou por uma traqueostomia e tem um canal no pescoço para conseguir respirar. Em uma operação da Polícia Militar paulista (PM-SP) na última sexta (18), a menina teve crises severas devido ao gás de pimenta usado pelos agentes.

Bárbara diz que decidiu deixar o local, a última favela do Centro de São Paulo, pela repressão constante que os moradores sofrem da PM-SP e pelo medo de não ter reparação alguma. Ela vai se mudar provisoriamente para uma casa de amigos também na região central, ainda perto de um hospital onde a filha passa por tratamento médico. A mudança definitiva está prevista para o fim de 2026, quando a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) prevê entregar um imóvel financiado à família no bairro Cachoeirinha, na zona norte. Até lá, eles terão um auxílio-moradia de R$ 800.

“[A CDHU] chamou a gente em uma quarta-feira. O técnico falou que a gente teria até a sexta da mesma semana para escolher, senão a gente ficaria sem nada”, diz. Cunhado dela, José Carlos da Silva, de 34 anos, também afirma que aceitou sair pelo medo da violência policial. “Nós pegamos a carta de crédito por conta das polícias, porque tem polícia direto aqui oprimindo a gente. Jogam gás, e as pessoas não conseguem nem ficar dentro de casa. Para eles, tudo é tráfico, para terem mídia em cima de nós.”

Outra moradora que se mudou hoje é dona Josefa Flor, 74 anos, moradora do Moinho há 25 anos. A filha de Josefa, Tainá Silva, 30, conta que o imóvel de três andares foi erguido com o trabalho da matriarca como autônoma. A saída foi marcada por choro da vizinhança. Cristiane Andrade, 38, é vizinha de Josefa há 8 anos. A empregada doméstica não conseguiu conter as lágrimas ao ver os móveis sendo removidos. Ela conta que também quer deixar a comunidade por medo da polícia, mas de maneira digna.

A idosa sairá do coração da capital e se mudará para o bairro de Itaquera, na Zona Leste da capital. “Procurei casa lá porque meu apartamento vai sair lá”, contou pouco antes de seguir com sua mudança. “Aí já fico mais perto e vou conhecendo. Para eu não me perder lá. Eu nunca fui lá”

Há um impasse sobre o número de famílias que aceitaram o acordo para mudança. Nesta terça-feira (22/4), servidores da CDHU chegaram a afirmar que 11 famílias saíram. A associação de moradores teve acesso a lista e só conseguiu identificar dois moradores que realmente tinham agendamento para deixar o Moinho. A associação informou que não teve acesso ao número total de pessoas que aceitaram o acordo.

PM monta operação com helicóptero

Localizada na região dos Campos Elísios, a favela do Moinho abriga cerca de 800 famílias, dispostas sobre um terreno da União — a comunidade hoje se espreme entre trilhos da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), embaixo do Viaduto Engenheiro Orlando Murgel e na divisa com o bairro do Bom Retiro. A remoção dos moradores se insere no contexto da alegada revitalização da região central pelo governador: a comunidade está a menos de um quilômetro da Praça Princesa Isabel, para onde Tarcísio pretende levar parte da sede administrativa do governo.

Tarcísio pleiteia ainda a cessão do terreno pela União, onde prevê construir um parque e uma estação de trem. A Secretaria Nacional do Patrimônio (SPU), submetida ao Ministério de Gestão e Inovação em Serviços Públicos, emitiu uma nota técnica no último dia 14 de abril desautorizando as demolições e negando que haver certeza de cessão do espaço ao Estado — um dos entraves ao processo é justamente a necessidade de ajuste no plano de reassentamento dos moradores.

O começo da manhã tenso: presença policial e incertezas (Foto: Daniel Arroyo / Ponte Jornalismo)

Apesar da indefinição, o governo Tarcísio deu início nesta terça às saídas de quem aceitou a proposta de remoção, sob presença da PM-SP no local. Por volta das 5h, moradores montaram uma estrutura na entrada da comunidade em protesto. Um helicóptero da Polícia Militar passou a sobrevoá-la no mesmo horário, despertando um clima de tensão. Uma tropa também se manteve em solo próximo à entrada da favela, mas sem interagir com a população, enquanto técnicos da CDHU se colocaram à frente para negociar as primeiras saídas. Caminhões de mudança ali estacionados deram apoio aos trabalhos.

Segundo o governo Tarcísio, 531 famílias da favela já estão habilitadas a assinar um contrato dentro das duas modalidades de financiamento oferecidas pela CDHU. Uma tem valor máximo de R$ 250 mil, para imóveis localizados no Centro, e a outra é de cerca de R$ 200 mil, para outras regiões. Do grupo já habilitado a assinar um acordo, 444 já teriam um imóvel de destino. Famílias que tiverem de esperar por uma habitação irão receber R$ 800 mensais como auxílio-moradia — valor que destoa dos preços de aluguel praticados na região. Será pago também um auxílio-mudança de R$ 2,4 mil.

Servidores da CDHU se reuniram com a associação de moradores local para negociar saída das famílias (Foto: Daniel Arroyo / Ponte Jornalismo)

Protestos contra demolições no Moinho

Na última semana, moradores protestaram contra a remoção em pelo menos duas oportunidades. A primeira delas foi em um ato público na terça-feira (15/4). Os manifestantes marcharam da favela até a Câmara Municipal gritando palavras de ordem contra Tarcísio e a favor do Moinho. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também foi cobrado.

Já na sexta-feira (18/4), feriado de Sexta-Feira Santa, a Polícia Militar de São Paulo cercou a favela do Moinho. Ao UOL, moradores relatam que os agentes chegaram pela manhã e jogaram bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta contra pessoas que estavam em um bar.

Moradores protestaram contra a violência policial e chegaram a fechar temporariamente a circulação de linhas dos trens da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). A comunidade é espremida pelos trilhos, localizada embaixo do Viaduto Engenheiro Orlando Murgel e na divisa com o bairro do Bom Retiro.

À Ponte, a Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) atrelou a ação à reintegração de posse do terreno. “Para o local, o Estado propôs o reassentamento de famílias da comunidade com o objetivo de levar dignidade e segurança a essa população, que vive sob risco elevado em condições insalubres, com adesão voluntária de mais de 87% da comunidade até o momento”, disse à pasta.

Uma pessoa foi presa por suspeita de tráfico de drogas durante a operação que contou com policiais do Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep) e da Rocam (Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas).

Nova sede administrativa

A demolição de moradias na Favela do Moinho ocorre em meio ao plano de Tarcísio de Freitas de transferir parte da sede administrativa do governo para o Centro. A comunidade está localizada a menos de um quilômetro da Praça Princesa Isabel, para onde a estrutura estadual será levada. Um dos possíveis destinos do terreno onde está o Moinho, última favela do Centro de São Paulo, é a criação de um parque e de uma estação de trem.

Moradores relatam que houve intensificação das operações após o projeto se concretizar. Contudo, a violência policial contra quem mora no Moinho não é novidade. A principal justificativa dada para a entrada dos agentes armados é o combate ao Primeiro Comando da Capital (PCC), facção à qual supostamente a favela estaria submetida e que faria dela base para o tráfico de drogas na região chamada de Cracolândia — cena aberta de uso de drogas.

A Ponte já denunciou diversas violações ocorridas contra os moradores sob esse pretexto. Uma delas, ocorrida em agosto do ano passado, policiais invadiram casas e revistaram até mochilas de crianças, segundo moradores. Em outro caso, dois policiais militares foram condenados por tortura contra um jovem após terem invadido a casa dele e lhe esfaquearem a mão, causando um corte profundo, durante operação em 2020.

O que dizem as autoridades

A Ponte procurou a Secretaria Nacional do Patrimônio (SPU) e a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) sobre o processo de retirada dos moradores. Não houve retorno até a publicação da matéria. Caso haja, o texto será atualizado.

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