Por Heloisa Villela
“Acho que hoje não vou conseguir dormir”, me escreveu Assmaa abu Dijian. Criada em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, dos 4 aos 18 anos, ela mora na Faixa de Gaza com o marido e quatro filhos e há três dias já vinha me dizendo: “Acho que agora sai um acordo”.
“Por que Assmaa?”
“Porque a intensidade dos ataques aumentou. Essas são as piores horas da guerra, se tiver um verdadeiro cessar-fogo“, me disse na terça-feira, dia 14 de janeiro.
Na teoria de Assmaa, toda baseada na experiência prática, quando a situação piora muito é porque a violência está perto do fim. Nas 24 horas que antecederam o anúncio do acordo para um cessar-fogo em Gaza, Israel matou mais de 60 homens, mulheres e crianças.
Na antevéspera da notícia, a residência que fica ao lado do prédio da família dela foi atingida por um ataque aéreo. Foi um rebuliço. Todos os seguidores dessa palestina que fala português mais que perfeito passaram o dia se perguntando o que tinha acontecido.
“Casas vizinhas”, me explicou, “mas tenho medo de tirar fotos e destruírem minha casa”. Ficamos na conversa. Quem precisa de mais fotos de destruição de residências em Gaza? O perigo tão próximo só confirmou a certeza. “Vai acontecer”, me garantiu, falando do cessar-fogo.
Nessa quarta-feira, 15 de janeiro, enquanto o primeiro-ministro do Qatar, Mohammed bin Adbulrahman bin Jassim, anunciava na TV que, depois de 15 meses de genocídio, os bombardeios vão parar no domingo, eu olhava o rosto de Assmaa em uma tentativa de live na internet. Tentativa porque a imagem estava escura, o sinal caiu algumas vezes, mas foi possível ouvir o som de disparos. Sim, tiros de comemoração e esperança de que o genocídio realmente tenha terminado.
“Felizzzz. Não estou acreditando”, me escreveu Assmaa.
A felicidade é mais do que compreensível. Não acreditar, infelizmente, também é. São décadas de luta por liberdade e autodeterminação. São décadas de extermínio lento, de expulsão e controle. Mas hoje, e nos próximos dias, o ar está carregado de possibilidades.

Cidade de Gaza destruída pelo exército de Israel. (Foto: IsraeAnas al-Shareef/Reuters)
Comemorações em Gaza
A cena que me chegou pelo telefone foi mais do que comovente e emblemática. Narrando as comemorações dos palestinos, o jornalista da Al Jazeera, Anas Al-Sharif não parou de falar ao microfone enquanto tirava o capacete e o colete a prova de balas, única proteção que tantos jornalistas tiveram e que tantas vezes foi inútil nesses 15 meses. Mais de 200 foram assassinados pelo exército de Israel.
A rede Al Jazeera também mostrou as comemorações na cidade em que Assmaa mora, Deir Al Balah, 11 quilômetros ao norte de Khan Yunes. As ruas estavam escuras. Não existe eletricidade. Mas muita gente foi comemorar assim mesmo, com lanterna, luz do celular, do jeito que foi possível. A notícia finalmente chegou.
Tarde, mas veio.
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