Por Catarina Duarte — Ponte Jornalismo
As mortes pelas Polícias Militar e Civil em São Paulo, sob o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos), aumentaram 68% no primeiro semestre deste ano, em comparação ao mesmo período de 2023. Ao todo, 373 pessoas morreram. Entre elas, o catador de latinhas José Marques Nunes da Silva, 45 anos, o entregador Matheus Simões, 21, e Michel Cruz, de mesma idade, morto no condomínio em que vivia com a família.
Os dados são da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP). Trata-se do primeiro semestre mais mortal desde 2020 — quando 514 pessoas foram mortas pelas polícias paulistas na primeira metade do ano.
Embora a assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança Pública afirme que as mortes pela polícia “são consequência direta da reação violenta dos criminosos à ação das forças de segurança”, a explosão da letalidade estatal ocorre num momento de baixa da violência, em que os homicídios atingiram o menor número já registrado.
Homicídios no ponto mais baixo
O primeiro semestre deste ano registrou com menor número de vítimas de homicídios dolosos na série histórica disponível (com dados a partir de 2013). No período, foram registradas 1.285 mortes. O número é 7% menor do que o registrado no primeiro semestre de 2023.
A queda nos homicídios dolosos é um fenômeno que vem acontecendo há alguns anos, aponta Rafael Rocha, coordenador de projetos do Instituto Sou da Paz. Os dados da SSP-SP registram que a queda ocorre desde 2021.
Rocha fala que estudos mostram que o policiamento ostensivo não é suficiente para evitar crimes de homicídio. É necessário também o investimento da Polícia Civil. O que não tem acontecido atualmente. “Pelo contrário, temos visto uma dificuldade crescente da investigação”, fala. Há um enfraquecimento da Polícia Civil sob o comando de Tarcísio, analisa.
Em abril, a Ponte ouviu sindicatos ligados à Polícia Civil de São Paulo que falaram em desprestígio do governo com a categoria. As instituições repercutiram a permissão para que PMs registrassem termos circunstanciados, o que hoje compete aos policiais civis.
Um mecanismo recomendado por especialistas para indicar excessos na letalidade policial é a comparação do número de mortos pela polícia com o total de homicídios dolosos.
Estudos do sociólogo Ignacio Cano indicam que o ideal é a proporção de no máximo 10% de mortes pelas polícias em relação ao total de homicídios, enquanto o pesquisador Paul Chevigny sugere que índices maiores de 7% seriam considerados abusivos. A taxa está em 22,9%.
Rafael Rocha explica que não é possível atribuir a queda nos homicídios ao aumento da letalidade estatal. Ele conta que, em 2015, o Instituto Sou da Paz fez uma pesquisa sobre os crimes cometidos por policiais em serviço.
O estudo apontou para uma forte associação de letalidade policial com roubos de veículos. Não é que a PM matasse mais em roubos, explica, mas se verificou que alguns casos ocorriam nesta dinâmica. Havia o roubo, a perseguição, o enquadro e as mortes. Nesta dinâmica, diz Rocha, era possível discutir essas mortes e a violência policial.
Já no caso de homicídios dolosos, não há essa lógica, diz Rocha. “A polícia matando mais ou menos, não vai afetar a briga de bar, não vai afetar o feminicídio”, afirma.
Mortes no serviço X mortes na folga
Os policiais em serviço são os que mais matam. No acumulado do semestre, foram 316 mortes durante o turno, contra 57 na folga. Tomando apenas a letalidade policial durante o trabalho, o aumento foi de 84%.
O primeiro semestre foi marcado pela Operação Verão. A ação policial na Baixada Santista deixou 56 pessoas mortas. Uma das vítimas foi José Marques Nunes da Silva, que implorou para não morrer, contou à família à Ponte. O catador de latinhas morava em São Vicente, no litoral paulista, e deixou três filhas.
As mortes não se restringiram ao litoral. Em fevereiro, Matheus Simões foi atingido no pescoço com a ponta do fuzil de policial militar. O entregador dirigia a motocicleta recém-adquirida pelas ruas da Brasilândia, em São Paulo, quando foi ferido. O caso foi enviado à Justiça Militar após o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) entender que o PM não teve intenção de matar.
Michel Cruz ia ao mercado quando foi morto por um policial militar em São José dos Campos, no interior de São Paulo. A cabeleireira Rosicleide Cruz Bispo de Jesus, 45, tentou impedir o pior. A mãe se colocou na linha do tiro, mas Michel foi atingido no abdômen. O jovem morreu um dia antes do Dia das Mães.
Rafael Rocha diz que o primeiro trimestre do ano alavancou o resultado do período. Nele, lembra Rocha, ocorreu a Operação Verão. Mas, mesmo sem o contexto de ação policial deflagrada, as mortes continuaram altas.
A SSP-SP registrou 61 mortes pela polícia em junho. O número é o maior para o mês desde 2019, quando 65 mortes ocorreram. Também houve um salto de 24% nas mortes de maio (49) para junho (61).
Os policiais em serviço mataram mais em junho. A SSP-SP registrou 51 mortes contra 10 de policiais que estavam de folga. Para o pesquisador, isso é reflexo do desmonte dos mecanismos de controle da força — como as câmeras corporais e as comissões de mitigação.
O novo edital de São Paulo para compra de câmeras corporais foi alvo de críticas. Diferente do modelo atual, o texto do pregão não obrigava que fossem adquiridos equipamentos com gravação ininterrupta. Especialistas consideram essencial esse mecanismo para dar mais segurança ao trabalho dos policiais e também da sociedade.
O que diz o governo
A Ponte questionou a SSP-SP sobre o aumento na letalidade policial em São Paulo. Em nota, a assessoria de imprensa da pasta destacou que o estado tem as menores taxas de homicídio doloso.
O texto diz ainda que, para reduzir a letalidade, há investimento em capacitação, aquisição de equipamentos de menor potencial oficial ofensivo em políticas públicas. As mortes pela polícia, segundo a SSP-SP, “são consequência direta da reação violenta dos criminosos à ação das forças de segurança”.
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