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Por Gustavo Cabral *

Historicamente, a humanidade tem enfrentado diversas situações terríveis causadas por viroses. No entanto, com o advento das vacinas, alcançamos uma estabilidade na saúde pública como nunca antes visto.

No século 21, essa problemática ultrapassa a ação da ciência e requer que o desenvolvimento científico seja mais bem compreendido pela sociedade. É crucial que as pessoas adotem estilos de vida sustentáveis em diversos aspectos para mitigar os impactos dessas doenças.

O século 20 foi marcado por várias catástrofes de saúde pública, sendo a pandemia da Covid-19 a mais aterrorizante. Além disso, lidamos com surtos frequentes de gripe, Dengue, Chikungunya e Zika.

Quando falamos de arboviroses (vírus transmitidos por artrópodes, como mosquitos), como Dengue, Chikungunya e Zika, é essencial também considerar outras, como a Febre Oropouche. O Ministério da Saúde e outras autoridades de saúde têm alertado para a disseminação desta virose pelo Brasil, com milhares de casos notificados recentemente.

A Febre Oropouche, embora menos conhecida, foi identificada pela primeira vez na década de 1950 em Trinidad e Tobago, e o vírus foi isolado no Brasil em 1960. Inicialmente restrito à região amazônica, o vírus tem se espalhado para outras áreas devido a fatores como mudanças ambientais, alterações climáticas, desmatamento e urbanização desorganizada, que facilitam a proliferação dos vetores. Além disso, há a possibilidade de adaptação do vírus a novos vetores que urbanizaram.

O vírus Oropouche possui dois ciclos de transmissão distintos: o urbano e o silvestre. No ciclo urbano, a transmissão ocorre principalmente por meio das picadas do mosquito Culicoides paraensis em humanos. Este mosquito se reproduz em águas paradas e é mais ativo durante períodos chuvosos e de altas temperaturas, o que aumenta a incidência de casos em determinadas épocas do ano.

No ciclo silvestre, a dinâmica de transmissão é mais complexa, envolvendo uma diversidade maior de artrópodes e hospedeiros. Artrópodes como Aedes serratus, Culex quinquefasciatus e Coquillettidia venezuelensis desempenham um papel significativo na disseminação do vírus. Esses vetores picam diferentes espécies de hospedeiros reservatórios, que incluem roedores, aves e primatas não humanos.

A interação entre esses vetores e hospedeiros facilita a manutenção e a propagação do vírus em ambientes naturais, o que pode levar à sua introdução em áreas urbanas. A propagação do vírus no ciclo silvestre é influenciada por fatores ambientais, como a destruição de habitats naturais devido ao desmatamento e a urbanização desorganizada. Essas mudanças ambientais podem forçar os vetores e reservatórios silvestres a se adaptarem a novos ambientes, aumentando o risco de contato com populações humanas e, consequentemente, a transmissão do vírus.

As manifestações clínicas da Febre Oropouche são notavelmente semelhantes às da dengue e Chikungunya, dificultando o diagnóstico diferencial apenas com base nos sintomas. Entre os sintomas mais comuns estão febre alta, cefaleia intensa, artralgia (dor nas articulações), mialgia (dor muscular), erupções cutâneas, mal-estar generalizado, náuseas e vômitos. Esses sintomas podem variar em intensidade e duração, mas geralmente começam de 4 a 8 dias após a picada do mosquito infectado.

Embora a maioria dos casos de Febre Oropouche se resolva espontaneamente em cerca de duas semanas, é importante estar ciente das possíveis complicações graves que podem surgir, como meningite (inflamação das membranas que revestem o cérebro e a medula espinhal) e encefalite (inflamação do cérebro). Essas complicações, embora raras, podem ser severas e requerer cuidados médicos intensivos.

A semelhança dos sintomas com outras arboviroses, como dengue, Chikungunya e Zika, representa um desafio significativo para o diagnóstico clínico. Sem confirmação laboratorial específica, o diagnóstico pode permanecer incerto, o que pode levar a tratamentos inadequados ou atrasos na intervenção correta.

Técnicas laboratoriais são essenciais para confirmar a presença do vírus Oropouche e distinguir esta infecção de outras arboviroses. Além disso, a falta de conhecimento generalizado sobre a Febre Oropouche entre os profissionais de saúde pode contribuir para diagnósticos errôneos e subnotificação dos casos, destacando a necessidade de maior conscientização e educação continuada sobre esta e outras viroses.

Antes que surjam recomendações de remédios sem testes científicos comprovando eficácia, é importante esclarecer que atualmente não existe um tratamento específico para a Febre Oropouche. O manejo clínico da doença é principalmente de suporte, focando no alívio dos sintomas. Isso inclui o uso de medicamentos para reduzir a febre e a dor, além de manter uma boa hidratação e repouso. É fundamental que os pacientes evitem automedicação, que podem agravar os sintomas em algumas arboviroses.

Dado que não há um tratamento antiviral específico disponível, a principal estratégia de combate à Febre Oropouche está na prevenção e no controle dos mosquitos vetores. Medidas preventivas incluem a eliminação de criadouros de mosquitos, como recipientes com água parada, e o uso de repelentes, mosquiteiros e roupas de manga longa para reduzir o risco de picadas. A educação comunitária é essencial para sensibilizar a população sobre a importância dessas medidas.

A adoção de práticas sustentáveis, como a urbanização planejada e a proteção do meio ambiente, é igualmente importante para reduzir os habitats dos mosquitos vetores. Somente via uma abordagem integrada que combine educação, prevenção, pesquisa e políticas públicas eficazes, poderemos mitigar os impactos dessas doenças e proteger a saúde pública de maneira duradoura.

 

 

*Imunologista PhD e Coordenador de Pesquisas no ICB-IV da USP, para o desenvolvimento tecnológico de vacinas aplicadas contra Covid-19, Chikungunya, Zika e Dengue vírus.

 

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