Por Cleber Lourenço
As recentes críticas ao Congresso que tomaram conta das redes sociais, motivadas pelo decreto do IOF e pela condução da reforma tributária por Hugo Motta, reacenderam o debate sobre o papel dos parlamentares e o descontentamento popular. Para alguns, o tom mais contundente adotado por influenciadores e militantes de esquerda nas redes lembraria a agressividade bolsonarista em relação ao Supremo Tribunal Federal. Mas a semelhança é apenas superficial. É fundamental distinguir entre crítica e ataque, entre cobrança democrática e deslegitimação institucional. Essa comparação é equivocada. A esquerda critica; a direita ataca.
A esquerda, historicamente, transforma a crítica ao Congresso em cobrança concreta, com objetivos bem definidos e sustentados em princípios constitucionais e sociais. Quando movimentos sociais e parlamentares progressistas se mobilizaram contra o chamado PL do estuprador, por exemplo, havia uma pauta clara: impedir que vítimas de estupro fossem obrigadas a manter a gravidez resultante da violência.
Essa mobilização contou com campanhas, pressão sobre gabinetes, audiências públicas e propostas alternativas. É uma crítica severa, mas feita dentro das regras democráticas, para corrigir rumos e defender direitos fundamentais.
Outros episódios reforçam esse padrão. Quando o Congresso aprovou cortes em programas sociais ou votou reformas que reduziram direitos trabalhistas, a esquerda ocupou as ruas, pressionou parlamentares e denunciou retrocessos. Quando o orçamento secreto foi revelado, em 2021, a mobilização digital e nas ruas também teve como alvo as práticas de desvio e falta de transparência, não a existência do Parlamento em si. Em todos esses casos, a crítica mirou as escolhas políticas de deputados e senadores e buscou mudanças legislativas, não a destruição das instituições.
Esse comportamento não ocorre por acaso. A esquerda, em sua tradição histórica no Brasil e em outros países, enxerga as instituições como espaços a serem disputados, ocupados e aprimorados. Há um entendimento de que é possível mudar a sociedade a partir de dentro, ainda que por vezes a passos lentos e por meio de vitórias parciais. Por isso, mesmo quando combativa, a esquerda não rompe com a democracia representativa, porque vê nela uma arena legítima para avançar sua pauta.
Já a direita radical age de outra forma. Jair Bolsonaro e seus seguidores cultivaram por anos a ideia de que Congresso, Supremo Tribunal Federal e outros órgãos do Estado eram inimigos do povo. Essa narrativa ganhou corpo desde a campanha presidencial de 2018 e foi alimentada diariamente nas redes sociais, em lives e discursos, com termos como “sistema”, “podres poderes” e “inimigos da liberdade”.
Essa lógica culminou nos atos de 8 de janeiro de 2023, quando as sedes dos três Poderes foram invadidas e depredadas, sem qualquer pauta legislativa ou reivindicação democrática concreta — apenas a exigência de intervenção militar e ruptura da ordem constitucional. A mensagem era clara: acabar com o sistema para impor um resultado à força.
A distinção é essencial para a saúde do debate público. A esquerda pressiona de dentro do sistema, por meio de emendas, comissões, mobilização social, audiências públicas e articulação política. É uma crítica dura, mas legítima e reconhecida pelas regras do jogo. Já a extrema direita mina a democracia ao atacar suas bases, espalhando desinformação e promovendo fantasias autoritárias para justificar golpes e violações.
O Congresso merece críticas, como qualquer instituição política. Deputados e senadores têm deveres e responsabilidades e devem ser fiscalizados de forma implacável pela sociedade civil. Mas é perigoso e injusto confundir crítica com ataque. Quando isso acontece, normalizamos ataques à democracia disfarçados de fiscalização cidadã e corremos o risco de fragilizar as próprias instituições que garantem direitos. Criticar para melhorar é democracia; atacar para destruir, não. Esse cuidado conceitual deve ser lembrado sempre que os ânimos se acirram e as redes sociais parecem querer transformar tudo em igual, quando, na realidade, a diferença é abissal.