O título foi dado por Raduan Nassar para falar do comportamento de intelectuais que fazem do mundo da erudição lugar de delicadeza calculada. O autor começa dizendo que uma das suas convicções mais sólidas é que se deve dizer aquilo que se pensa.
O livro “Menina a caminho e outros textos” foi publicado pela primeira vez em 1997. Portanto, o conto “Mãozinha de seda” não é uma indireta para os doutos que ainda se fazem de moucos e mudos em pleno janeiro de 2025 (Nassar, 2016, p. 75–83).[1]
Mas, convenhamos, o texto em questão revela muito do comportamento dos isentos e recatados no nosso contexto atual.
Como um sugestivo contraste aos líderes e intelectuais que fogem dos seus compromissos sociais porque têm a perder, Nassar dedica o conto a Octávio Ianni (1926–2004), sociólogo, professor da USP aposentado compulsoriamente pelo Ato Institucional n.º 5. Ianni não negociou as suas convicções no mercado das ideias, algo que acontece hoje e tem a ver com suposto “instinto de sobrevivência”.
Embora desde moço soubesse que dizer o que se pensa é necessário, honesto e honroso, Nassar convive com a lembrança de uma voz dissonante. “A diplomacia é a ciência dos sábios.”
O conselho do bisavô vinha revestido de voz de autoridade, voz da experiência, voz da tradição. Não estamos perante a sabedoria livresca com citações de autores que evocam voz de autoridade, mas do conhecimento familiar contado em prosa amena mordendo o pão e bebendo café na varanda de casa. Voz revestida da sacralidade das rugas.
Em oposição à ideia de que dizer o que se pensa é necessário, o velho sentenciava para o bisneto: “A diplomacia é a ciência dos sábios”.
Desdobramentos práticos que o velho esperava do menino quando adulto:
“O negócio é fazer média.”
“Nada de porraloquice. Me promete.”
“Foda-se o que a gente pensa.”
O que fez com que Nassar lembrasse do realismo do bisavô?
Eruditos, pretenciosos, e bem providos de mãozinhas de seda, a harmonia do perfil é completa por faltar-lhes justamente o que seria marcante: rosto! Em consequência desse aparente paradoxo, tenho notado que estão entregues a um escandaloso comércio de prestígio, um promíscuo troca-troca explícito, a maior suruba da paróquia, Maria Santíssima! (Nassar, 2016, p. 81).
As referências à linguagem religiosa são bem mais recurso literário do que expressão de crença. O que Nassar notou nas rodas dos figurões ensimesmados nos seus fardões, vestidos com distinção justamente para demarcar as distâncias, arrastando pantufas nos mármores limpíssimos, sem arranhar e nem deixar pegadas ou pistas, percebo nas paróquias de muitos sacerdotes.
Aconselhados pelo diplomático bisavô do Nassar, líderes, formadores de opinião, jornalistas, intelectuais, gente ilustrada, letrados, pastores, padres, personalidades, figuras públicas, preferiram o troca-troca fugaz.
Calados, consentiram que os locatários dos palácios, tribunais, templos e quartéis ameaçassem a ordem democrática. Exilados nos seus porões refrigerados, observadores que preferiram não ver nem saber. Expatriados nas suas bibliotecas, optaram por sumir durante um tempo. Não, não foi prudência. Pura covardia.
Dizem que em Pindorama, local descrito no conto de Nassar, sábios são aqueles isentões que no mercado das ideias negociam suas convicções em troca de algumas gratificações que venham das paróquias ou das sedes dos governos.
No “Um copo de cólera” (livro de Raduan Nassar, 1978) encontro uma das melhores definições de profeta que já li, embora não fosse essa a conversa do autor. Faço uso assumidamente indébito da frase de Nassar para afirmar o que acredito ser um profeta frente às ofertas do mercado das ideias:
“Ninguém dirige aquele que Deus extravia” (Nassar, 2013, p. 59).[2]
[1] Nassar, Raduan. Menina a caminho e outros textos. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
[2] Nassar, Raduan. Um copo de cólera. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
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