Então, estamos combinados assim: está tudo bem entre ricos e pobres no Brasil.
A turma das mansões e das coberturas se relaciona harmoniosamente com o povão das favelas. Todos estão felizes. Ou melhor, estariam, não fosse por um detalhe: segundo a imprensa, o que atrapalha essa tal felicidade são os petistas e seus aliados esquerdistas a criar polarização social no país.
Só que não.
A farsa do “nós contra eles” voltou a circular com força nos editoriais, reportagens, comentários políticos e entrevistas publicadas nos grandes veículos de comunicação.
Bastou que o PT resgatasse por alguns dias o sentido do seu nome de batismo e lembrasse como os trabalhadores são espoliados pelos ricos com a ajuda do Congresso para que os editores retomassem o velho refrão.
Para alguns jornalistas, não é problema que bilionários resistam a receber ao menos uma mísera taxação em suas fortunas, enquanto assalariados pagam muitos impostos. No país em que a renda dos 10% mais ricos é 13,4 vezes maior que a dos 40% mais pobres, está tudo OK. Para estes, quem está dividindo o Brasil é o governo petista com sua mania de luta de classes.
A chiadeira da “grande” imprensa atingiu o ponto máximo nesta quinta-feira (3), quando o Jornal Nacional mergulhou de cabeça na história. Tudo porque, após seguidas derrotas do governo para as chantagens do Centrão, a militância petista surpreendeu com uma gigantesca mobilização nas redes sociais, lançando mão de Inteligência Artificial. Conseguiu rotular o Parlamento de “Congresso da mamata” e “Congresso inimigo do povo”. O presidente da Câmara, Hugo Motta, foi carimbado com os epítetos de “traidor” e também “inimigo do povo”.
O volume de postagens desse tipo bateu recordes e incomodou bastante os caciques políticos do Centrão. E o viés de luta de classes contido nas mensagens incomodou os Faria Limers.
Não deu outra. Estadão, Folha e O Globo já vinham reclamando do “nós contra eles”. Ontem foi a vez do JN dar voz a todos aqueles para quem o PT inventa a luta de classes no Brasil.
Um debate tocado por figuras que não se importam se 63% da riqueza do país estão mão de apenas 1% da população. Tudo certo que 50% dos mais pobres detenham somente 2% do patrimônio nacional. Nenhum problema que 0,01% de privilegiados possuam 27% dos ativos financeiros. O problema mesmo é a turma da esquerda falar do assunto.
Também não há nada de mais se o Congresso não aceita taxar os super-ricos, reluta em reajustar o Imposto de Renda de quem ganha 50 mil mensais para isentar quem ganha R$ 5 mil e derruba ilegalmente o aumento do IOF, obrigando o governo a cortar recursos de educação e saúde. O problema é o Executivo.
Para defender essa tese desonesta, vale dar espaço em horário nobre a figuras lamentáveis como o deputado Coronel Zucco (PL-RS), um bolsonarista incentivador da tentativa de golpe de Estado, notório disseminador de mentiras nas redes sociais e protagonista de baixarias na Câmara. Outro bolsonarista, o senador Rogério Marinho (PL-RN), fez dueto com Zucco no JN.
Vale também dar espaço ao indefectível Arminio Fraga, o ex-presidente do Banco Central que há três meses teve a coragem de defender que o salário mínimo deveria ser congelado por seis anos.
Para essa turma, as soluções para as contas do governo são sempre desse tipo, tirando de quem tem menos e deixando intactos os que têm mais. Por isso, discute-se agora congelamento de salário mínimo, redução de recursos para o bolsa família, reajuste menor para aposentados e outras excrescências parecidas. Tudo com a conivência da imprensa.
É como se à frente das grandes redações estivesse Caco Antibes, o personagem caricato interpretado por Miguel Fallabela no extinto humorístico “Sai de baixo”, cujo bordão famoso era “odeio pobre!”. Ou Odete Roitman, a vilã da novela “Vale Tudo”, agora ressuscitada, que trata o Brasil como um lugar de “gente feia esperando ônibus caquéticos no ponto.”
A grande diferença é que Caco e Odete falam abertamente o que pensam.
É a turma convicta de que não há opressão de ricos contra pobres no Brasil (em entrevista à Globonews, João Dória disse textualmente isso) e que classifica essa tese de “populista”.
Engrossa a fileira o grupo de isentões, gente que se diz escandalizada com o recorde de desigualdade no Brasil, mas que reage mal a qualquer ação efetiva para superá-la.
São comentaristas que consideram radical chamar este Congresso de “inimigo do povo”, mesmo que ninguém esteja propondo invasão do Senado e da Câmara ou qualquer ato de violência. Apenas se busca definir com exatidão o papel que a maior parte dos senadores e deputados está cumprindo agora, inclusive indo contra a lei (a derrubada do decreto do IOF claramente usurpa uma prerrogativa do governo).
Apesar das matérias e editoriais em contrário, vai ser difícil conter a enxurrada de ataques aos parlamentares. Como todos aprendemos em criança, quando reagimos a um apelido, aí mesmo é que ele pega.
E, como diria o repórter esportivo Tino Marcos a Galvão Bueno, em um jogo de futebol, a reação da elite às críticas da esquerda significa uma coisa só:
“Sentiu!”
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