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Por Valter Mattos*

Votar na eleição ontem em São João de Meriti, cidade onde nasci, vivi e pela qual nutro grande afeto, fez-me refletir com pesar sobre o caos urbano e a incivilidade que presenciei. Fiquei com pena de minha cidade, a cena foi desoladora, retrato de uma região abandonada à própria sorte, como são tantas outras no Brasil.

Calçadas inteiramente ocupadas por carros, obrigando pedestres a se arriscarem pelas ruas, que por vezes se tornavam intransitáveis devido ao oceano de “santinhos” que encobria o asfalto. A Automóvel Clube, uma das principais vias da cidade, com as faixas de pedestres sob os semáforos completamente apagadas. Carros avançavam o sinal vermelho, obrigando os transeuntes, como eu, a correr para atravessar a rua. Em frente ao local de votação, um carro estacionado sobre a faixa de pedestre dificultava ainda mais a travessia.

Os locais de votação pareciam campos de batalha, com enormes aglomerações de cabos eleitorais, sujando as ruas com panfletos, falando alto, ou melhor, gritando, alguns bebendo cerveja. Em meio ao tumulto, motoqueiros — sim, recuso-me a usar “motociclistas” — faziam o barulho ensurdecedor de escapamentos adulterados (como tiros de fuzil), e alguns ainda ostentavam crachás de “fiscal de partido”.

Em uma cidade com quase meio milhão de habitantes, a oitava mais populosa do estado do Rio de Janeiro e a terceira maior densidade demográfica do país, o mínimo esperado no dia da eleição é a presença de uma ordem pública que assegure a integridade do processo democrático e das condições urbanas. No entanto, o que se viu foi o colapso das normas de convivência civilizada. Essa desordem, refletida em aspectos como o descaso com a sinalização e a ausência de guardas municipais para coordenar o trânsito, aponta diretamente para a falência da gestão pública local. Uma Prefeitura que não consegue pintar uma faixa de pedestre, dizer o quê?

E quem é o responsável por esse cenário caótico? Não hesito em afirmar que a culpa recai sobre o poder público municipal. Desde 2016, São João de Meriti tem sido governada por representantes da chamada “nova direita”, uma mistura bizarra de fisiologismo e ideologia da extrema direita, marcada pelo bolsonarismo. Essa tendência política, que se autointitula defensora da “ordem”, revela, na prática, uma incapacidade gritante de mantê-la. Que tipo de “ordem” é essa que, por exemplo, resulta em ruas sem sinalização, na omissão das autoridades e na degradação da vida urbana?

É urgente que salvemos as cidades periféricas, como São João de Meriti. O que já era ruim se deteriorou ainda mais. Nós, progressistas, que nos preocupamos com as classes populares e que atualmente nos encontramos encurralados, precisamos refletir sobre como superar esse cenário de retrocesso.

A única saída é a organização. É preciso unir forças em torno de soluções concretas para reconquistar nossa cidade e restabelecer a dignidade urbana que nos foi roubada.

 

* Professor de História e doutor em História Econômica pela USP

 

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