Por Valter Mattos da Costa*
Anunciar um programa federal para professores parece louvável — é claro. Mas diante do cenário crônico de desvalorização, isso pode soar, para a categoria, como uma medida paliativa. É como usar um balde d’água para apagar um incêndio na floresta.
Lançado com certa euforia pelo governo federal em 24 de janeiro de 2025, o programa “Mais Professores para o Brasil” é de adesão voluntária e sem força obrigatória legal — tanto para professores quanto para as redes públicas de ensino básico. Pretende alcançar cerca de 2,3 milhões de docentes da educação básica, com ações como formação inicial e continuada, bolsas de estudo, estímulo à permanência em áreas vulneráveis e parcerias com universidades públicas. Um dos destaques é a Bolsa Mais Professores: R$ 2.100 mensais, além da remuneração local, vinculada à participação em curso de pós-graduação lato sensu em áreas pedagógicas e voltada à atuação em regiões com carência docente.
Anunciou-se também, naquela ocasião, um reajuste de 6,27% no Piso Salarial Profissional Nacional do magistério público da educação básica, elevando-o para R$ 4.867,77, referente a 40 horas semanais (e, convenhamos, não é lá essas coisas). Contudo, sua efetiva aplicação ainda depende da adesão e do comprometimento de estados e municípios.
O novo programa apresenta, por exemplo, a Prova Nacional Docente, de caráter diagnóstico e voluntário, que poderá servir como referência futura para concursos públicos, a critério das redes. Mas não há exigência para que realizem seleções públicas para contratação de professores, tampouco sanções para quem descumprir o piso. Assim, tudo permanece no plano das intenções.
Falar em valorização, portanto, sem garantir o cumprimento do piso nacional torna tudo apenas discurso. Há estados e municípios que ignoram a legislação, persistindo na omissão. Nesse contexto, o Ministério Público tem o dever constitucional de agir com rigor, baseado especialmente no artigo 127 da Constituição Federal (que o define, dentre outras, na ação e na defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais) e na Lei nº 11.738/2008 (que regulamenta o Piso Nacional do Magistério), fiscalizando e cobrando judicialmente dos gestores locais o cumprimento efetivo do piso, assegurando, assim, que os direitos dos professores sejam respeitados na prática.
Piorando o quadro, em diversas escolas públicas Brasil afora falta até giz. Não raro, docentes adoecem, dobram jornadas e improvisam aulas em salas com 40 estudantes ou mais. Quando um professor ou uma professora falta, em algumas ocasiões colegas são pressionados a assumir duas turmas já superlotadas em uma só sala. O programa federal fala em valorização, mas ignora esse cotidiano precário em que nem o básico está garantido.
Em artigos anteriores publicados neste espaço, tratei de questões centrais sobre a educação pública. Apenas para citar dois exemplos: em 18 de março de 2025, no artigo “A tragédia da superlotação nas escolas públicas brasileiras e o descaso com a educação”, abordei como salas superlotadas configuram violência simbólica contra professores e estudantes. Já em 13 de novembro de 2024, no texto “Sem rodeios: os professores ganham muito mal”, denunciei a ampliação da jornada docente sem a justa compensação salarial. Esses registros permanecem acessíveis, e os problemas, infelizmente, também.
As gestões estaduais e municipais seguem terceirizando a culpa. Jogam para o governo federal a responsabilidade, mesmo quando são elas que, na maioria das vezes, reiterando, desrespeitam o piso. E aí, a estrutura federativa, nesse campo, se mostra disfuncional.
O programa federal “Mais Professores para o Brasil”, portanto, se apresenta mais como um conjunto de incentivos do que como uma política pública com força vinculante. Sem mecanismos concretos para cobrar sua execução, as propostas correm o risco de permanecer distantes da realidade concreta das escolas e da rotina exaustiva dos professores.
Ainda que bem-intencionado, o plano ignora a raiz da crise: o sistema que esgota a docência e empobrece quem sustenta nos ombros a escola pública. Não há futuro promissor com salários baixos e desrespeito institucionalizado.
Enquanto os salários forem tratados como despesa e não como investimento, qualquer projeto fracassará. Sem atacar os interesses econômicos que sustentam essa lógica, resta o vazio das solenidades.
É fácil celebrar políticas em Brasília. Difícil é garantir que cheguem às periferias de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, Altamira, no interior do Pará, ou Feira de Santana, no sertão da Bahia; aos rincões de Manacapuru, no Amazonas, Santana do Ipanema, em Alagoas, São Raimundo Nonato, no semiárido do Piauí, às salas precárias de Eldorado dos Carajás, também no Pará, ou Coronel Sapucaia, na fronteira de Mato Grosso do Sul. É lá que a profissão se desfaz diante do abandono.
Nas promessas governamentais, sempre falta algo: coragem para enfrentar as raízes estruturais. O que parece novidade muitas vezes é reaproveitamento. Iniciativas recicladas sob novas siglas e slogans.
Quando o ministro da Educação, Camilo Santana, fala em “grande pacto nacional” (como declarou em audiência pública no Senado, no dia 16 de abril de 2024, ao defender a reforma do ensino médio — que não poucos professores rejeitam), lembro-me, enquanto professor de História, de quantos pactos fracassaram. Historicamente, os únicos que deram certo foram acordos entre as “elites”, como a “política dos governadores” na República Velha, eficaz por atender aos interesses dominantes. Pactos que envolvem direitos da classe trabalhadora, como os dos professores, não prosperam sem compromisso real com a dignidade de quem ensina.
O tempo do improviso acabou. O que professores querem é salário digno, jornada justa e segurança. Isso não se resolve apenas com programas que não enfrentam a lógica que explora o trabalho docente.
As medidas recentes voltadas à educação pública merecem reconhecimento, mas é preciso ir além das boas intenções. Talvez seja hora de considerar propostas mais ousadas, como a federalização dos salários dos docentes da educação básica (sugestão que ouvi do professor carioca André Tenreiro). A medida poderia garantir equidade salarial, reduzir desigualdades regionais e conferir maior dignidade à profissão. Afinal, a educação não se transforma apenas com discursos — por melhores que sejam —, mas com coragem para mudanças estruturais efetivas.
*Professor de História, especialista em História Moderna e Contemporânea e mestre em História social, todos pela UFF, doutor em História Econômica pela USP e editor da Dissemelhanças Editora.
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