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Jessé Souza

Escritor, pesquisador e professor universitário. Autor de mais de 30 livros dentre eles os bestsellers “A elite do Atraso”, “A classe média no espelho”, “A ralé brasileira” e “Como o racismo criou o Brasil”. Doutor em sociologia pela universidade Heidelberg, Alemanha, e pós doutor em filosofia e psicanálise pela New School for Social Research, Nova Iorque, EUA

O avanço da extrema direita na Europa

Resultado das eleições para Parlamento Europeu favoreceu partidos que jogam nos imigrantes a culpa empobrecimento real
14/06/2024 | 06h53

As recentes eleições para o Parlamento Europeu reacenderam os medos de um novo avanço da extrema direita no mundo.

Ainda que os partidos de centro e da direita democrática tenham mantido o controle do Parlamento, houve avanço inquestionável da extrema direita nos principais países europeus que fizeram com que a nova bancada extremista seja hoje ¼ do Parlamento Europeu.

O avanço foi maior principalmente nos três países mais importantes da comunidade europeia: Alemanha, França e Itália. Na França, o presidente Macron, em jogada de alto risco, antecipou as eleições gerais e a ameaça de um governo de extrema direita se torna real naquele país. A Itália já vive situação semelhante.

Quanto a Alemanha, maior economia e país mais populoso da Europa, o partido de inspiração nazista conseguiu superar a social-democracia, força secular na política alemã e partido do atual primeiro-ministro Olaf Scholz.

Como em todo caso de avanço da extrema direita, o populismo campeia. O dado principal é sempre culpar os mais oprimidos — no caso os imigrantes — como causadores do empobrecimento das classes populares em praticamente todos os países, especialmente na França, que vive um processo de desindustrialização já há muito tempo, e na Itália, que se tornou uma economia ancilar da economia alemã mais pujante.

Os imigrantes são vistos, de modo muito semelhante com o avanço do fascismo em todo lugar, como os bodes expiatórios perfeitos que servem para esconder as reais causas do empobrecimento geral: aumento da criminalidade, diminuição dos salários relativos da classe trabalhadora nacional, e perda da pureza racial e cultural. Esses são os temas centrais, ainda que reforçados pelo negacionismo climático e outras pautas da extrema direita no mundo todo.

A situação é um tanto distinta na Alemanha, um país que investiu fortemente na crítica do nazismo nas escolas e na esfera pública durante décadas a fio. E é também onde o empobrecimento geral catalisado pelo neoliberalismo é comparativamente menor que no resto da Europa.

A maior parte do apoio à AfD, o novo partido nazi, vem da Alemanha Oriental, onde a votação deste partido chega a 50% em vários estados orientais. O que está em jogo aqui é o ressentimento dos orientais de perceberem que depois de tanto tempo e dinheiro investido na Alemanha Oriental, eles ainda são cidadãos de segunda categoria ganhando menos e tendo menos capital cultural que os alemães ocidentais.

Como sempre são os ressentimentos sem explicação — em um contexto de aumento da privatização da mídia e das redes sociais — o principal móvel do avanço extremista. As pessoas precisam de uma explicação para o empobrecimento que jamais são discutidas, abrindo o flanco para a xenofobia como sentimento social dominante.

Os imigrantes se tornam, neste contexto, a desculpa perfeita. Permite o saque financeiro neoliberal, real razão do empobrecimento geral, que se invisibiliza cada vez mais e aprofunda crescentemente as causas do ressentimento, e joga-se a raiva da população contra os mais frágeis que são, também, os mais escuros, refletindo uma dimensão de racismo como seu núcleo.

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