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Eliana Alves Cruz

Eliana Alves Cruz é carioca, escritora, roteirista e jornalista. Foi a ganhadora do Prêmio Jabuti 2022 na categoria Contos, pelo livro “A vestida”. É autora dos também premiados romances Água de barrela, O crime do cais do Valongo; Nada digo de ti, que em ti não veja; e Solitária. Tem ainda dois livros infantis e está em cerca de 20 antologias. Foi colunista do The Intercept Brasil, UOL e atuou como chefe de imprensa da Confederação Brasileira de Natação.

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O conclave nosso de cada dia

O Papa é pop
24/04/2025 | 05h00
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Está lá na letra do rock nacional de 1990: “O Papa é pop. O Pop não poupa ninguém”. E não poupa mesmo, pois o sacerdote argentino Jorge Mario Bergoglio sentou-se no trono em 2013 e não houve um dia nestes 12 anos em que não precisasse enfrentar uma espécie de conclave mundial, na era mais conectada da história da humanidade e, como tal, mais julgadora de todos os tempos.

Embora qualquer época seja única ao seu modo, Francisco ascendeu quando a internet e as redes sociais estavam consolidadas e em pleno voo de ascensão, dando a toda e qualquer pessoas nos quatro cantos do planeta a oportunidade ser mídia. O papado e não só ele, estava prestes a enfrentar uma janela indiscreta como nunca houve. Francisco foi o primeiro Papa a fazer uma selfie, a se comunicar todo o mandato pelo twitter, a ter uma foto manipulada por Inteligência Artificial.

A concorrência é enorme, tem números próximos e que variam nas diversas fontes, mas todas são unânimes em apontar que a maioria da humanidade é cristã — cerca de 2,4 bilhões de pessoas — e, dentro do cristianismo, o catolicismo ainda é a fé mais praticada, com mais da metade do total. Sendo assim, ao contrário do que pode parecer em algumas “bolhas” de vida, ser Papa ainda significa poder… e muito. Não à toa o Vaticano é um Estado que tem banco, terras, bens doados, impostos a recolher, diplomacia, protocolos… incontáveis formalidades.

A fé católica no Cristo vence porque tem maioria nas Américas e, principalmente, na África, o continente onde mais cresce o número de fiéis. Ambos os territórios alvos da colonização europeia que, indo na direção contrária do que disse Cristo, retirou riquezas e fincou a cruz com toda a força, violência e sangue.

E lá se vão quase 600 anos de gerações que somam bilhões de pessoas ouvindo e seguindo o que diz o Santo Padre. O dogma da infalibilidade do Papa e sua autoridade conduziram o mundo no momento em que o homem investido deste cargo assinou bulas e decretos autorizando invasões, dominações, escravizações, perseguições e mortes.

Com o peso desta tradição nas costas, Francisco assumiu o posto mais alto do catolicismo após a surpreendente renúncia do seu antecessor, Bento XVI, e adotando o nome de um dos santos mais austeros da história da igreja, avesso à todas as pompas e circunstâncias, focado na natureza, nos mais pobres e nos excluídos. Além do próprio Jesus, São Francisco de Assis deu régua e compasso ao padre Jorge Mario, que foi tachado por uns de comunista e por outros, de progressista. Todo dia, a depender do seu posicionamento, uma nova face do Papa parecia descobrir um novo homem, numa espécie de eterno conclave.

O que as novas gerações e até as anteriores esquecem é que Francisco era um sacerdote da Igreja Católica Apostólica Romana e ela, em seu âmago, é feita por homens que atuam em cima de valores, dogmas e certezas que remontam aos tempos em que as caravelas singravam os mares para combater mouros, indígenas e pretos a fim de subjugá-los e catequizá-los. É uma das instituições mais hierarquizadas e estáticas do mundo. Qualquer milímetro de mudança ali é como tentar deslocar um paquiderme sonolento e Francisco tanto incomodou porque conseguiu deslocar um pouco o elefante, conquistando assim a simpatia de multidões.

Diante deste cenário e deste histórico, a cor do Papa importa menos do que suas ideias, mas se o rosto que vestirá a púrpura daquele trono for negro, talvez isso demonstre o ápice da vitória de um projeto colonizador muito bem desenhado e cultivado com a paciência de milênios. E sobre ele poderíamos falar por anos sem esgotar o assunto.

No entanto, o terreno dos corações crentes está longe de ser totalmente dominado pelos católicos. Ele é disputado palmo a palmo com outras denominações do cristianismo e uma gama tão vasta de religiões quanto são os povos sobre a Terra. Grandes guerras no planeta ainda têm na fé uma de suas molas mestras.

O Papa é pop, ele ainda manda e ele ainda importa. Talvez seja mais política do que religião e menos fé do que poder, mas ainda há quem se lembre que a origem de tudo isso era um carpinteiro que pregava o amor.

Francisco não se esquecia… Esperemos que o rosto que aparecerá na sacada quando a fumaça branca indicar que mais de dois terços dos cardeais chegaram a uma conclusão seja um deles, e que no conclave nosso de cada dia seus fiéis não tenham que escolher entre um Papa fascista e outro também.

 

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