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Jorge Mizael

Cientista político, doutorando pelo Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE), com foco em comportamento político e estudos sobre mudanças constitucionais. Fundador da Metapolítica, consultoria premiada no Oscar da Comunicação Política Mundial em 2020 pela The Washington Academy of Political Arts Sciences. Indicado, em 2021, como Consultor Político Revelação pela mesma instituição. Colunista do portal ICL Notícias, onde analisa questões políticas e institucionais com ênfase em governança e a relação entre o Legislativo e o Executivo.

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O desempenho do Governo Lula segundo as Medidas Provisórias

Uma análise quantitativa revela os desafios e os poucos avanços das Medidas Provisórias no governo Lula em 2024, destacando o impacto da articulação política e da fragmentação partidária no Congresso.
09/01/2025 | 05h00

As Medidas Provisórias (MPVs) são ferramentas legislativas de alta relevância no sistema político brasileiro. Criadas para atender a situações de urgência e relevância, essas normas têm força de lei desde sua publicação pelo Presidente da República, mas precisam ser analisadas e aprovadas pelo Congresso Nacional em até 120 dias para se tornarem “leis definitivas”. Em teoria, representam um atalho institucional para resolver problemas imediatos; na prática, enfrentam, muitas vezes, um traiçoeiro caminho político até a sanção final.

No terceiro mandato do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, as MPVs ganharam destaque como uma das principais estratégias de governança em 2024. Com um Congresso altamente fragmentado e um ambiente político marcado por disputas orçamentárias e negociações intensas, as MPVs apresentadas pelo governo enfrentaram uma verdadeira prova de fogo. Em 2024, foram 81 medidas editadas, mas os resultados revelam desafios significativos: apenas 4 foram convertidas em normas permanentes, enquanto 44 perderam eficácia e outras 3 foram revogadas. Atualmente, 30 seguem em tramitação e aguardam avaliação do Congresso Nacional.

Será que as MPVs estão encontrando seu caminho ou se perdendo nos corredores do Congresso? Vamos mergulhar nesses dados para entender os fatores que influenciaram o sucesso — ou o insucesso — dessas iniciativas, avaliando o impacto da articulação política e das complexidades do processo legislativo brasileiro.

As MPVs são instrumentos legislativos previstos na Constituição Federal de 1988 e estão entre as ferramentas mais poderosas à disposição do Presidente da República. Diferentemente dos Projetos de Lei (PLs), as MPVs têm força de lei desde sua publicação, produzindo efeitos imediatos enquanto aguardam apreciação do Congresso Nacional. No entanto, sua permanência no ordenamento jurídico depende de um processo rigoroso: devem ser aprovadas por Comissão Mista, maioria simples na Câmara dos Deputados e no Senado Federal em até 120 dias. Caso contrário, perdem eficácia.

Em 2024, o governo Lula apresentou um total de 81 MPVs ao Congresso e 51 já concluíram seu ciclo legislativo. Os números indicam um desempenho lamentável para o governo: 44 perderam eficácia, 4 foram convertidas em leis permanentes e 3 acabaram sendo revogadas antes de sua apreciação.

As MPVs encerradas revelam uma radiografia da articulação política do governo no Congresso. A perda de eficácia em 44 (54,32%) delas aponta para obstáculos consideráveis, como falta de consenso entre os parlamentares e dificuldades na mobilização e na organização da base aliada. Já as 4 medidas convertidas em leis indicam os casos em que o governo conseguiu superar essas barreiras e alinhar os interesses dos diferentes atores políticos. Por outro lado, a revogação de 3 MPVs reflete pressões externas que levaram o governo a recuar.

O desempenho do governo Lula nas Medidas Provisórias em 2024 retrata, em grande parte, as características do ambiente político no Brasil, que permanece marcado pela fragmentação partidária e pela complexidade das negociações no Congresso Nacional. Com 513 deputados federais e 81 senadores distribuídos entre mais de 20 partidos políticos, a construção de maiorias parlamentares tornou-se um desafio contínuo para o Executivo.

Essa fragmentação, embora aumentando ou diminuindo a cada eleição, dificulta frequentemente a formação de coalizões estáveis. Para aprovar uma MPV, o governo precisa alinhar os interesses de sua base aliada e, muitas vezes, atrair apoio de partidos independentes ou até mesmo da oposição. Em 2024, a fragmentação partidária somou-se a um cenário de radicalização da ala bolsonarista e negociações intermináveis em torno das emendas orçamentárias parlamentares.

Além disso, a presidência da Câmara dos Deputados e do Senado desempenha um papel crucial na tramitação das MPVs. Esses atores conseguem pautar ou retardar a votação das medidas, influenciando diretamente o destino de cada iniciativa. Em 2024, as negociações entre o governo e os presidentes das Casas legislativas igualmente enfrentaram sucessivas disputas por espaço e influência.

O contexto político também foi impactado por uma oposição volumosa, que utilizou as regras regimentais para atrasar ou barrar MPVs consideradas prioritárias pelo governo. A resistência era reforçada por tensões na própria base aliada, onde divergências programáticas e interesses locais frequentemente entravam em choque com a agenda do Planalto.

Esse panorama evidencia como o desempenho legislativo do governo não depende apenas da relevância ou urgência de uma MPV, mas também da capacidade de articulação política e de gestão das complexidades do Congresso Nacional.

Entre as 81 Medidas Provisórias apresentadas pelo governo Lula em 2024, apenas 4 foram sancionadas como leis permanentes (4,93%), o que as torna exceções em um cenário dominado por perdas de eficácia e dificuldades legislativas. A seguir, uma breve descrição de cada uma dessas MPVs e de sua relevância:

  • MPV 1209/2024
    Abriu crédito extraordinário de mais de R$ 1 bilhão para diversos ministérios, incluindo Justiça e Segurança Pública, Meio Ambiente e Povos Indígenas. Esse crédito foi endereçado para ações emergenciais em áreas críticas, como segurança e proteção ambiental, em um momento de pressão social e demanda por respostas rápidas.
  • MPV 1210/2024
    Destinou R$ 30 milhões ao Ministério da Justiça e Segurança Pública para reforçar iniciativas específicas de segurança. Embora menor em valor, sua aprovação refletiu um consenso sobre a urgência de investir em segurança pública, tema prioritário tanto para o governo quanto para o Congresso.
  • MPV 1218/2024
    Abriu um crédito extraordinário expressivo de mais de R$ 12 bilhões para diversos órgãos do Executivo e operações financeiras da União. Essa medida teve um impacto abrangente, fornecendo recursos para ações estratégicas que envolvem os compromissos financeiros de longo alcance do governo.
  • MPV 1237/2024
    Direcionou mais de R$ 2 bilhões para áreas como a Justiça Federal, Defensoria Pública da União e Ministério do Trabalho. Essa Medida foi crucial para garantir o funcionamento de serviços essenciais e reforçar instituições fundamentais para a proteção dos direitos dos cidadãos.

Essas MPVs se destacaram por atenderem a demandas urgentes e com alta pressão política, o que favoreceu a construção de consensos no Congresso. Além disso, o governo conseguiu mobilizar a sua articulação política, destacando a relevância dos temas e a necessidade de ações rápidas. Em contraste, as MPVs que perderam eficácia enfrentaram mais resistência, seja pela baixa priorização da articulação do governo ao tema, seja por não serem percebidas como prioritárias ou urgentes pelos parlamentares.

No contexto legislativo brasileiro, a expressão “caducar” refere-se às Medidas Provisórias que, após serem editadas pelo Presidente da República, não conseguem ser aprovadas pelo Congresso Nacional no prazo constitucional de 120 dias. Essa situação não apenas compromete os objetivos do governo, mas também evidencia falhas na articulação política e nos processos de priorização legislativa.

Entre as 81 MPVs apresentadas pelo governo Lula em 2024, 44 perderam eficácia, um número que chama a atenção e convida à reflexão sobre os fatores que levaram a esse desfecho. A oposição se mostrou pouco disposta a colaborar, optando por bloquear ou atrasar propositalmente MPVs que consideravam desalinhadas aos seus interesses ou que pudessem fortalecer a imagem do governo.

O desempenho das Medidas Provisórias do governo Lula em 2024 oferece uma perspectiva preocupante sobre os desafios enfrentados pelo Executivo na condução de sua agenda legislativa. Os números evidenciam as dificuldades enfrentadas pelo governo e refletem a complexidade do ambiente político brasileiro na atualidade, especialmente se comparados aos seus antecessores.

Metapolítica (Consultoria: Anderson Alves)

Em um Congresso radicalizado, a capacidade de dialogar, negociar e construir consensos é vital para o sucesso de qualquer agenda legislativa. No entanto, os resultados de 2024 mostram que faltou ainda uma base aliada suficientemente coesa e uma estratégia de articulação capaz de superar os bloqueios impostos pela oposição e pelas disputas internas na base governista.

Além disso, o desempenho do Governo em Medidas Provisórias levanta uma questão importante sobre seu uso. Algumas Medidas parecem ter sido editadas sem considerar o respaldo necessário para sua tramitação no Congresso, resultando em uma agenda sobrecarregada e um desgaste desnecessário para o governo. Essa prática enfraquece a eficácia das MPVs como instrumento legislativo e pode comprometer a credibilidade do Executivo.

Para os próximos anos, o governo precisará equilibrar melhor a quantidade e a qualidade de suas MPVs, garantindo que as medidas contem com uma articulação política condizente e que possibilite a sua efetiva aprovação. O desempenho legislativo é mais do que números; é um reflexo da habilidade do governo em transformar intenções em realizações concretas para o país.

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