E pronto, estamos a duas semanas das eleições americanas e as pesquisas estão empatadas. Empatadas ao nível nacional e empatadas nos estados decisivos. Empate por todo o lado. Na Geórgia, a média das últimas sondagens dá uma pequena vantagem a Trump, no Nevada a vantagem é de um ponto percentual a favor de Kamala Harris. O mesmo é válido para o Wisconsin (vantagem para Harris) e para a Carolina do Norte (vantagem para Trump). Nos seis estados indecisos, as coisas estão muito, muito apertadas. Todavia, nas últimas semanas, Trump tem vindo a subir um pouco. Não me perguntem por que, é impossível responder a essa pergunta a não ser que admitamos que os americanos realmente acreditam que os emigrantes andam por lá a comer os animais de estimação. O que sabemos é que o mundo está pendurado pelos humores de uns quantos americanos que vivem nestes estados. E não há nada que possamos fazer, senão esperar pelas eleições e especular sobre o que aí virá.
Talvez não seja despropositado relembrar que esta eleição norte-americana fará toda a diferença no Brasil. De certa forma, ela constituirá uma espécie de período de aquecimento para o confronto eleitoral de 2026. Se Trump ganhar, a extrema direita brasileira recuperará ânimo e confiança para a próxima eleição presidencial. Quanto à esquerda brasileira, traumatizada pelas décadas da Guerra Fria, provavelmente dirá que nunca contou com nada de bom vindo do Norte. Mas só os ingênuos acreditam nisso. Não, não é indiferente quem vai ganhar. A vitória de Biden ajudou a impedir a golpada no Brasil, o assalto às instituições e a intervenção militar. Com Trump, reconheçamo-lo, as coisas ficarão piores para a esquerda brasileira e, de forma mais geral, para toda a esquerda latino-americana.
Todavia, as piores consequências da vitória de Trump virão para a Europa. Temo o pior. O populismo nacionalista verá nessa vitória o sinal para endurecer as suas posições e combater a partilha de soberanias que está na base do projeto europeu. A divisão começará imediatamente na questão da guerra na Ucrânia. A aliança atlântica declinará e a Europa descobrirá que já não é o poder dominante, assim como já não é o palco principal da disputa mundial, como foi durante a Guerra Fria. Numa palavra, as coisas já não se decidem na Europa. Elbridge Colby, antigo conselheiro da administração Trump, escreve: “para ser franco: Taiwan é mais importante que a Ucrânia.” Não podia ser mais claro — o centro da disputa geopolítica é o Sudeste Asiático, não a Europa. É aí que a nova balança de poder se jogará e a Europa não fará parte desse filme: “um adeus ao mundo em que a Europa era o centro.”
Pela minha parte, vejo as coisas assim: o fenômeno da extrema direita na Europa e nos Estados Unidos só encontra explicação no mal-estar ocidental com a ascensão da China como grande potência mundial. Nos últimos quarenta anos, o pêndulo econômico do mundo oscilou decisivamente do Ocidente para o Oriente. Mais concretamente: a China foi a vencedora da batalha econômica da globalização. Venceu com as regras do Ocidente, com as instituições do Ocidente e num mundo liderado pelo Ocidente. Na retórica americana, esse sucesso só pode ser uma de duas coisas: ou fraude na concorrência, ou acordos comerciais demasiadamente generosos. Ou trapaça dos chineses, ou generosidade a mais dos americanos. O sucesso de Trump reside nessa estúpida crença de que só ele pode virar o jogo econômico mundial — ele, “o melhor negociador do mundo”. Trump não é a causa, mas o sintoma do declínio ocidental.
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